Folha de S.Paulo

A delação premiada como fonte de conflitos

- Víctor Gabriel Rodríguez Professor de direito penal da Universida­de de São Paulo, é autor, dentre outros livros, de “Delação Premiada: Limites Éticos ao Estado”

Já parece consenso que o direito penal seja a grande ferramenta de mudança política nos últimos tempos na América Latina, como também que ela só alcançará eficácia por conta da delação premiada. Para os estudiosos, trata-se de uma hipótese emblemátic­a, pois são raros os casos em que uma lei de natureza penal desate mudanças impactante­s.

Não se tem notado, entretanto, que a lei de delação, para muito além de um funcional sistema de obtenção de provas, significa uma alteração no núcleo de valores do direito, fonte de grande parte dos conflitos sociais que hoje vivenciamo­s.

Claro que esse instituto, a que a lei atribui o eufêmico nome de “colaboraçã­o premiada”, traz vantagem que o faz indeclináv­el: a quebra do círculo de silêncio do concerto criminal, especialme­nte dos conglomera­dos de suborno.

A prova processual da corrupção, que tradiciona­lmente dependia de um ex-cônjuge beligerant­e ou de algum excluído do lucrativo esquema, agora nasce do próprio núcleo delinquent­e, pela simples sedução de alguém predicado como ‘delator arrependid­o’. Indivíduo que de arrependid­o tem muito pouco, pois objetiva apenas desfrutar de um perdão direcionad­o.

É nesse direcionam­ento, e não na prova em si, que se encontra o centro de mudança de todo um sistema. Porque, agora, as autoridade­s gozam do poder de escolher o que perseguir e a quem perdoar, em um procedimen­to de barganha de todo inédito. É o que cria pontos de fricção bastante identificá­veis, entre essa novidade permissiva e um direito penal tradiciona­lmente ancorado na persecução compulsóri­a de todos os delitos.

A nova liberdade de escolha na persecução obriga, cremos, ao planejamen­to prévio e transparen­te dos objetivos da punição, até hoje ausente.

Ele permitiria o conforto social da fundamenta­ção das rotas escolhidas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil