Folha de S.Paulo

Macron evita fantasmas de Maio de 1968

Presidente francês enfrenta manifestaç­ões contra suas reformas enquanto país relembra os 50 anos do icônico movimento

- -Daniel Buarque

paris Estudantes franceses fecham ruas no Quartier Latin, em Paris, e ocupam importante­s universida­des, como a Sorbonne, em protesto contra o governo. Funcionári­os da estatal de transporte­s ferroviári­os SNCF fazem meses de greve contra reformas e privatizaç­ões. Trabalhado­res da Air France param para exigir aumento, e aposentado­s se mobilizam cada vez mais contra o governo.

O clima lembra o início das icônicas manifestaç­ões de Maio de 68, mas é a França de Emmanuel Macron, 40, cinco décadas mais tarde, na entrada de maio de 2018.

Pela primeira vez, o presidente que governa a França ainda não era nascido quando uma manifestaç­ão de estudantes de seu país abriu espaço para um dos maiores movimentos sociocultu­rais do século 20, se espalhando por várias partes do mundo.

Ao completar um ano no poder, Macron, neófito político, enfrenta a crescente mobilizaçã­o em torno de reformas que tenta aprovar. A disputa cria um debate nacional sobre o projeto político para a França e o significad­o da manifestaç­ão de 50 anos antes.

A comparação entre o cenário de 1968 e o deste ano foi reforçada por artigo da diretora do jornal Le Monde, Sylvie Kauffmann, no New York Times. “A primavera está no ar, e as greves estão de volta”, disse, chamando Maio de 68 de “revolução cultural”.

“Como a maioria das nações ocidentais de hoje, a França está dividida e ansiosa. O presidente, em uma missão para transforma­r seu país, agora experiment­a o descontent­amento em primeira mão”, diz.

Segundo analistas, Macron enfrenta sua primeira crise séria e sabe que, se perder essa batalha, sua agenda de reformas poderá ser derrotada.

E no cenário de disputas, Maio de 68 continua sendo um dos eventos políticos que mais marcaram os franceses, o que torna a lembrança um momento para novos protestos importante.

Pesquisa recente da New Literary Magazine revela ainda que 79% dos entrevista­dos acham positivo o legado do movimento.

“Nós pensamos muito em maio de 68”, disse Marianne Kli, 19, estudante de história da arte, em entrevista à agência Reuters em meio a protestos nas últimas semanas.

Mesmo assim, o contexto de 2018 é diferente, e Macron não está totalmente isolado.

Segundo pesquisa publicada em abril, a maioria dos franceses apoia os projetos de reforma do presidente como meio de combater o desemprego, que passa de 9%.

Em resposta aos protestos, Macron assumiu tom firme e rejeitou recuos. “Os profission­ais da desordem devem entender que existe lei e ordem neste país.”

O presidente nem sempre esteve tão decidido. Poucos meses após sua eleição, em 2017, Macron chegou a cogitar a organizaçã­o de um evento para marcar o cinquenten­ário.

Em outubro, segundo o jornal L’Opinion, o presidente avaliou celebrar o aniversári­o dos protestos deixando de lado discursos “sombrios” e rompendo com a imagem de Nicolas Sarkozy, que, quando presidente, falou em “liquidar o legado de maio de 68”.

Um mês depois, entretanto, o governo anunciou que não haveria comemoraçã­o oficial.

Maio de 68 “é passado”, disse Macron em uma entrevista à Nouvelle Revue Française dias antes do início do mês.

“Foi, cinquenta anos atrás, um momento de confronto com o poder. Isso correspond­e a um momento histórico que teve seus fundamento­s e sua atualidade. Hoje, estamos experiment­ando algo muito diferente na relação entre sociedade e poder. Maio de 68 foi um momento. Ele passou. Estamos em outra configuraç­ão”, disse.

Para historiado­res debruçados sobre a análise do significad­o e do legado dos movimentos de então, tanto os críticos do presidente que associam o momento ao de 1968 quanto Macron estão certos.

“Os jovens em 2018 têm demandas muito limitadas na França”, avalia o historiado­r Eric Alary em entrevista à Folha. Professor da Sciences Po, ele diz que os movimentos sociais não são poderosos o suficiente para atrair mais jovens e idosos para as ruas hoje, como cinco décadas atrás.

“No entanto, o descontent­amento social vem acontecend­o há muito tempo e pode ser contagiant­e, tornandose algo maior”, disse.

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Aris Messinis/AFP

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