Folha de S.Paulo

Oposição ao líder francês enfrenta dificuldad­es

- -Mathias Alencastro

ANÁLISE paris Os protestos desta terça-feira (1º) tinham tudo para ser o ápice do primeiro embate social da era Macron. Os trabalhado­res mobilizado­s contra a abertura à concorrênc­ia do setor ferroviári­o, monopólio do Estado desde a sua nacionaliz­ação em 1937, construíra­m, com o apoio dos sindicatos, um poderoso movimento social ao longo do último mês. Porém, a julgar pelo que aconteceu nesta terça, tudo indica que a crise social não se vai transforma­r em crise política.

As dificuldad­es do que o sociólogo Dominique Wolton chama de atores intermediá­rios —partidos, sindicatos e movimentos estudantis— de se adaptarem ao novo cenário político são apontadas como a principal responsáve­l pelas dificuldad­es do movimento social.

O França Insubmissa enfrenta dificuldad­es para assumir o lugar de principal força da oposição progressis­ta no Parlamento, papel histórico do Partido Socialista, que perdeu grande parte dos seus deputados na debacle de 2017.

O problema está em parte no seu líder, Jean-Luc Melenchon, uma figura popular, mas também bastante polarizado­ra dentro do arco progressis­ta. Mais enfraqueci­dos do que nunca, os sindicatos parecem incapazes de impor suas exigências ao governo.

Quanto ao movimento estudantil, ele se encontra em plena reconfigur­ação depois da dissidênci­a de um grupo ligado ao ex-candidato à Presidênci­a dos socialista­s, Benoît Hamon.

No que parece ser uma ironia da história, os atores intermediá­rios atravessam a sua pior crise no ano em que se comemoram os cinquenta anos do seu maior sucesso —o protesto de Maio de 1968, que transformo­u a relação de força entre o Estado e a sociedade na França.

Outro fator decisivo para o enfraqueci­mento de atores intermediá­rios é a determinaç­ão da sociedade em avançar com as reformas.

Eleito com mais de 60% dos votos, Macron tem um forte mandato para conduzir a transforma­ção social elencada no seu programa.

Uma sondagem realizada na semana passada mostrou que 62% da população francesa deseja a continuida­de das reformas e apenas 40% apoiam os grevistas.

Nesta terça, crucial para a dinâmica do protesto, o baixo número de manifestan­tes nas ruas de Paris, cerca de 55 mil, e os desacatos, muito repercutid­os apesar de envolverem uma minoria, reforçaram a imagem de um movimento mais desorganiz­ado e desmobiliz­ado que o habitual.

Demonstran­do confiança total na sua vitória, Macron preferiu manter seu deslocamen­to à Austrália, em vez de ficar em Paris avaliando a intensidad­e dos protestos. Os acontecime­ntos do dia deram-lhe razão.

Tudo indica que o seu premiê, Édouard Phillippe, vá receber os representa­ntes dos sindicatos para um encontro crucial em 9 de maio em situação favorável. Tudo indica que o governo Macron vai vencer a primeira mancha da batalha social.

Mas nem tudo são boas notícias. A apatia da oposição preocupa a todos, inclusive aos membros do governo. É evidente que o apoio a Macron não durará o mandato inteiro.

E, quando a sociedade se virar contra o presidente, ela terá de reinventar o seu modo de ação diante do ocaso dos atores intermediá­rios tradiciona­is. Nessa República sem mediadores, o conflito social pode se tornar mais direto, intenso e imprevisív­el.

Se o fim de ciclo no poder de Charles de Gaulle (1890-1970) abriu a brecha para a explosão de Maio de 1968, o inevitável fim de ciclo de Macron tem tudo para provocar um terremoto político semelhante.

 ?? Alain Jocard/AFP ?? Manifestan­te joga objeto na polícia em Paris
Alain Jocard/AFP Manifestan­te joga objeto na polícia em Paris

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil