Folha de S.Paulo

Na fronteira dos EUA, centenas aguardam ao relento para pedir asilo

Participan­tes de caravana de migrantes que cortou o México relatam ameaças sofridas no caminho e risco ao andarem sobre teto de trem

- -Silas Martí Libre Gutierrez

nova york No fim da fila, Juancho Maldonado espera a sua vez. “Vou tentar de todas as formas”, conta. “Está cada vez mais difícil continuar aqui, e ninguém quer abrir a porta.”

Esse imigrante, que deixou tudo para trás junto com a violência que consome a capital da Guatemala, viu de longe as primeiras famílias entrarem para pedir asilo em solo americano, mas por enquanto passa fome e frio ao relento no lado mexicano da fronteira.

Maldonado está entre as centenas de pessoas que acabam de atravessar todo o México em caravana para tentar escapar da miséria e da ira de gangues que assolam a América Central. No caminho, eles atraíram um séquito de câmeras de telejornal e sofreram ameaças muito mais sérias do que as bravatas do presidente americano, Donald Trump.

Enquanto o político na Casa Branca mandava despachar homens das Forças Armadas até a fronteira e pedia a autoridade­s ali que não deixassem ninguém entrar, Maldonado e o resto dos homens no cortejo —mulheres e crianças foram de ônibus— se equilibrav­am sobre um trem de carga em direção à divisa.

Ele lembra que bandidos armados numa camionete chegaram a se aproximar do grupo dizendo que atirariam neles caso seguissem adiante. artista plástico mexicano

Quando não era o pavor que tirava o seu sono, Maldonado conta que o frio das noites do deserto e o sol inclemente do dia causavam ainda mais problemas. No fim do trajeto de quase 5.000 quilômetro­s, muitos chegaram com febre, tosse e gripe à cerca que separa o México dos Estados Unidos.

E deram com a cara na porta. Nos últimos dias, guardas do ponto de entrada de San Ysidro, que separa Tijuana, a última cidade mexicana, de San Diego, do lado americano, disseram que não era possível processar os pedidos de asilo, chegando a barrar a entrada da maioria até liberar uns poucos para as primeiras audiências.

Maldonado, que já foi deportado três vezes pelos americanos e chegou a ser preso no país, não está entre as prioridade­s dos ativistas que organizara­m a caravana.

Na tentativa de chamar a atenção para a crise humanitári­a na América Central, eles tentam passar mulheres com crianças na frente.

“É verdade que muita gente está correndo riscos. Há crianças recém-nascidas, e as temperatur­as estão muito baixas. Mas todos nós queremos estar com nossas famílias”, diz Maldonado, que deixou os filhos na Guatemala e quer encontrar o pai e irmãos em Atlanta.

Homens que vigiam a fronteira, no entanto, não têm pressa, e as tensões aumentam a cada dia.

Enquanto soldados liberam pessoas a conta-gotas, ativistas acusam os EUA de criminaliz­ar esses migrantes.

Mas os problemas do lado mexicano do muro também aumentam. Ele conta que autoridade­s mexicanas, irritadas com a aglomeraçã­o na fronteira, vêm ameaçando mandar embora todos aqueles que não passarem o quanto antes pela triagem dos americanos.

“Essa caravana acontece todo ano, mas Trump criou esse problema”, diz Libre Gutierrez, um artista mexicano que viajou junto com o grupo e documentou toda a sua jornada. “Os guardas mexicanos até podiam ter feito algo antes, mas não fizeram porque havia muita gente e tivemos muito apoio ao longo do caminho.”

Nos últimos quatro anos, de fato, o governo mexicano, pressionad­o por Washington, expulsou quase 1 milhão de migrantes da América Central de seu território antes que chegassem à fronteira, mas imagens da caravana que circularam quase em tempo real despertara­m a simpatia de ativistas dos dois lados da divisa.

Gutierrez, que cresceu na cidade fronteiriç­a de Tijuana e viu muitos de seus amigos arriscando a vida na travessia para o norte, fez de seu perfil na rede social Instagram um diário de bordo da caravana.

Nas fotografia­s e nos vídeos que publicou, homens mudos desafiam a exaustão da viagem sobre os vagões do trem de carga que corta a paisagem desértica do México, as fortes rajadas de vento dali servindo de trilha sonora para o trajeto.

Mesmo tendo acabado de cruzar todo o seu país contando essa história, Gutierrez agora planeja refazer o caminho instalando esculturas ao longo dele que funcionem como indicadore­s das rotas seguras para futuros migrantes que encararem a travessia.

“É uma odisseia”, diz Gutierrez. “É um perigo andar em cima do trem, você pode escorregar e cair a qualquer momento e bandidos do crime organizado estão sempre atentos ao redor. Essas pessoas são todas muito vulnerávei­s. Elas estão fugindo de gangues, máfias e governos que estão violentand­o a própria população.”

Essa caravana acontece todo ano, mas Trump criou esse problema. Os guardas mexicanos podiam ter feito algo, mas havia muita gente e tivemos apoio no caminho

No fim do trajeto de quase 5.000 km, muitos chegaram com febre, tosse e gripe à cerca que separa o México dos EUA (...) Ativistas acusam os EUA de criminaliz­ar os migrantes, e os problemas do lado mexicano também aumentam. Autoridade­s vêm ameaçando mandar embora quem não passar logo pela triagem

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Dinuka Liyanawatt­e/Reuters Homem acompanha marcha na capital do Sri Lanka, Colombo, realizada por integrante­s do Partido Socialista da Linha de Frente, sigla criada em 2012
 ??  ?? Imagens do artista mexicano Libre Gutierrez, que acompanhou a caravana de centro-americanos que cruzou o México rumo aos EUA para documentá-la
Imagens do artista mexicano Libre Gutierrez, que acompanhou a caravana de centro-americanos que cruzou o México rumo aos EUA para documentá-la
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