Folha de S.Paulo

Temer e o pós-morte da esquerda

Derrotas do presidente e economia lerda podem animar ideias de contrarref­orma

- Vinicius Torres Freire Graduado em ciências sociais (USP) e mestre em administra­ção pública (Harvard). Foi secretário de Redação e editor da vinicius.torres@grupofolha.com.br

As derrotas de Michel Temer talvez não incentivem a ressuscita­ção de programas de esquerda, pelo menos não aquele do PT pós-2010. Afinal, Dilma Rousseff envenenou ou matou e esquartejo­u tais ideias, além de tentar ocultar os cadáveres com o estelionat­o eleitoral da virada de 2014 para 2015.

Mas há revolta bastante para tornar atraente alguma espécie de contrarref­orma, um contra-ataque ao programa econômico que chegou ao poder com a deposição de Dilma Rousseff.

De menos incerto, se pode dizer que a ruína da esquerda de 2014 e o fracasso de estima do programa liberal de 2016 dificultam a invenção de planos alternativ­os para a campanha eleitoral e para o governo de 2019. Faltam ideias que sejam tanto palatáveis quanto razoáveis.

O mal-estar na recuperaçã­o econômica é o mais recente revés do bloco de poder TemerPonte para o Futuro, ora quase desfeito. O problema vem de longe e é maior, porém.

Já em março do ano passado, o Congresso Nacional voltava das férias avesso à ideia de aprovar o pacote amplo de reformas liberais, em particular a da Previdênci­a. Deputados sentiram a fúria com a crise, com as reformas e com o presidente. Não viam futuro eleitoral no combo Temerrefor­mismo.

Desde 2016, dois terços dos eleitores queriam eleger logo um novo presidente, em votação direta. No fim de abril de 2017, uma greve que, se não foi geral, foi “pop”, ajudou a difundir o sentimento antirrefor­mas. Pesquisa Datafolha mostrava então que 85% queriam diretas.

O vazamento do grampo (maio) e a vitória de Pirro no TSE ( junho) exauriram Temer. Seu desprestíg­io pestilenci­al contaminou de vez a ideia de reforma liberal, que por sua vez já era um motivo de seu desprestíg­io (dois terços do eleitorado eram então contra a mudança na Previdênci­a).

A recuperaçã­o lenta da economia não teria muito apelo a não ser para o terço mais rico da população, se tanto. Retardada, como agora, alimenta mais desconfian­ça do programa reformista ou de políticos adeptos.

O Congresso derruba projetos do governo, aprova pautas-bombinhas e barra reformas. A lei do cadastro positivo tropeça e cai na boca do povo, causando entre desconfian­ça e raiva, mesmo contra bancos, que nem fazem força pela mudança, se não o contrário.

É por enquanto impossível dizer se o cresciment­o deste ano vai chegar ou não perto de 3%, como previsto. Ficando longe, porém, o fracasso vai fazer com que parte da elite pense em alternativ­a ao plano liberal estrito. Já se ouve rumor disso por aí, velharias.

Seja quem for o eleito, os problemas cruciais são incontorná­veis. Será necessária uma mistura de controle duro de gastos com aumento de impostos, no curto prazo. A despesa gestão calórica de um ser humano vem de alimento industrial­izado. O mesmo vale para açúcar e sódio: cerca de 20% vêm dos produtos industrial­izados, o restante é adicionado na preparação dos alimentos em casa, em restaurant­es ou no fast-food. da Previdênci­a continuará explosiva e, sem algum plano para o longo prazo, o presente será prejudicad­o. É um caso de cruz e caldeirinh­a.

Lula da Silva começou a governar em 2003 um país que vinha de crises ruins e não crescia. Manteve a política econômica arrochada, mas tinha crédito com o povo, esperanços­o com mudanças.

Decerto Lula não teve de lidar com crise tão catastrófi­ca como a de 2014-17 nem com reformas que afetam o íntimo da vida econômica cotidiana do povo. Ainda assim, o exemplo indica que não seria impossível, em tese, inventar um programa que driblasse a rejeição popular a algum tipo de reforma e que indicasse um fim para a travessia do deserto, talvez com atenuantes pelo meio do caminho.

Em tese.

Queremos participar mais ativamente dessa discussão. Não estou falando nem de redução de impostos, que, obviamente é muito bem vinda, mas de organizar o processo tributário brasileiro.

Muitos setores reclamam que a recuperaçã­o da atividade está mais fraca do que o esperado. Qual é a percepção do setor de alimentos?

Do mesmo jeito que somos os últimos a entrar na crise, somos os últimos a sair. O setor de alimentaçã­o é muito ligado a emprego e renda. O alimento é algo essencial, mas não se engane porque a crise nos impacta. Vivenciamo­s um processo de deterioraç­ão da margem de lucro, com os consumidor­es trocando produtos por itens mais baratos ou marcas menos reconhecid­as. Mas claramente já existe uma melhora. 2018 é um ano estranho, porque teremos eleições e Copa. Os números, no entanto, mostram que a indústria de alimentos está se recuperand­o.

Muitas empresas estão com receio de investir e contratar por causa das eleições, que prometem ser as mais concorrida­s desde 1989. Como está a expectativ­a da indústria de alimentos?

Não temos nenhum receio de gerar emprego e investir, mas, com a crise, a capacidade ociosa das fábricas aumentou. No ano passado, a indústria de alimentos gerou 3.000 postos de trabalho. É pouco, mas positivo. Somos um dos poucos setores que conseguira­m superávit entre demissões e contrataçõ­es.

Vocês têm receio de que um extremista —de direita ou de esquerda— vença as eleições?

Vamos produzir uma agenda da indústria de alimentos e discuti-la com todo e qualquer candidato. Eu, pessoalmen­te, acredito que qualquer extremo é uma visão míope: você olha apenas para o que te interessa e deixa de observar o todo. Mas não me preocupo muito com isso, porque não acredito que qualquer candidato, se eleito, deixe de dialogar com a sociedade.

Existe hoje um embate entre a indústria e Ministério da Fazenda, que defende abertura unilateral da economia e o fim de incentivos fiscais. Qualéaposi­çãodosetor?

O que nós pregamos é previsibil­idade e transparên­cia. Se tivermos oportunida­de de dialogar, está tudo certo. O resultado final não controlamo­s. Não gostaríamo­s de ter surpresas. O alimento hoje tem algumas desoneraçõ­es: a cesta básica é isenta de PIS/Cofins e outros produtos pagam um valor menor. Nós acreditamo­s que isso faz sentido porque trata-se de um produto essencial. Gostaríamo­s que fosse mantida essa lógica.

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