Folha de S.Paulo

Amai, para entendê-los

Debate econômico não progride sem entendimen­to dos números

- Alexandre Schwartsma­n Doutor em economia pela Universida­de da Califórnia em Berkeley e ex-diretor do Banco Central DST

Quando falamos do mercado de trabalho no Brasil, há números para todos os gostos: a taxa de desemprego, que havia caído para 11,8% em dezembro, subiu para 13,1% em março, culpa, claro, da reforma trabalhist­a.

Por outro lado, houve criação de 195 mil postos de trabalho formal no primeiro trimestre do ano, prova inequívoca de que a reforma trabalhist­a teve resultados extraordin­ariamente positivos. Onde está a verdade?

Ora (direis), se buscamos a verdade nos dados, é preciso entendê-los. A começar porque, como escrevi uns meses atrás, o comportame­nto do mercado de trabalho não é uniforme ao longo do ano, o que, aliás, é uma caracterís­tica de quase tudo o que interessa na economia.

Não tenho dúvida, por exemplo, de que ririam de quem afirmasse que a economia estava “bombando” no fim do ano passado porque as vendas no varejo em dezembro cresceram 23% na comparação com novembro (“e o Natal, cara-pálida?”) ou de quem tomasse a queda de quase 11% da produção industrial no mesmo intervalo como evidência de uma profunda recessão em curso (“e o Natal, cara-pálida?”).

Fato óbvio, mas negligenci­ado quando se fala do mercado de trabalho, é que há um comportame­nto sazonal visível nas variáveis econômicas: vendas crescem no Natal, a produção industrial cai durante o Carnaval e, no caso do emprego e do desemprego, as coisas não são diferentes.

Tipicament­e a taxa de desemprego sobe de dezembro a março e aí cai gradualmen­te para atingir o menor nível do ano em dezembro, quando então reinicia o ciclo.

Processo semelhante ocorre com a criação de vagas com carteira, exceto que, por questões de registro, é em dezembro que costuma haver forte queda do emprego formal, mesmo em anos de grande expansão (em 2010, por exemplo, ano em que foram criados mais de 2 milhões de postos, houve retração de 400 mil em dezembro).

Há duas formas de lidar com o problema. Ou comparamos sempre com o mesmo mês do ano anterior (e perdemos a informação do que ocorreu no meio do caminho) ou fazemos o que se convencion­ou chamar de ajuste sazonal, isto é, “limpamos” por meios estatístic­os as flutuações puramente sazonais, o que nos permite concentrar no comportame­nto “real” da série.

No caso, o desemprego de 13,1% em março deste ano compara-se a 13,7% no mesmo mês de 2017, redução de 487 mil no número de desemprega­dos.

Já fazendo o ajuste sazonal notamos que o desemprego atingiu um pico de 12,9% no primeiro trimestre de 2017, caiu para 12,8% no segundo trimestre, 12,6% no terceiro, registrou um leve aumento para 12,7% no quarto e voltou a cair para 12,3% no primeiro trimestre deste ano.

Da mesma forma, a geração de empregos formais foi negativa até o terceiro trimestre do ano passado, voltando a terreno positivo no quarto trimestre (134 mil postos) e no começo deste ano (106 mil).

Houve, portanto, redução modesta do desemprego desde o começo de 2017 e retomada, também moderada, das contrataçõ­es formais, esta última fenômeno mais recente, desenvolvi­mentos que reforçam a percepção de uma economia que se recupera lentamente.

A propósito, nada disso guarda qualquer relação com a reforma trabalhist­a, cujos efeitos só devem se materializ­ar em prazos bem mais longos, mas serve para ilustrar como o debate econômico não progride se não houver um pouco mais de entendimen­to dos números e um pouco menos de desonestid­ade por parte de alguns analistas. aschwartsm­an@gmail.com

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