Folha de S.Paulo

Gentil, homem tentava salvar colegas ao ser engolido pelo edifício

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são paulo Um incêndio levou ao desabament­o de um prédio de 24 andares invadido no centro de São Paulo, provocou pânico em moradores e vizinhos e expôs a falta de controle de órgãos públicos sobre a segurança de imóveis ocupados por sem-teto.

O edifício Wilton Paes de Almeida, no largo do Paissandu, foi engolido pelo fogo na madrugada desta terça (1º), após uma explosão no 5º andar — há suspeita de que ela esteja ligada a um botijão de gás, e moradores citam uma discussão entre um casal morador.

O desabament­o ocorreu enquanto um homem que tentava ajudar outras pessoas era resgatado do 8º andar. Ele caiu em meio às chamas e à fumaça —e não foi mais localizado.

Moradores suspeitava­m do desapareci­mento de uma mulher com crianças gêmeas. As equipes continuava­m com as buscas por eventuais sobreviven­tes ou por vítimas. “Existem pessoas que estão desapareci­das, mas não temos como dizer se elas estão ali dentro”, afirmou Marcos Palumbo, capitão dos bombeiros.

No começo da noite, 44 pessoas que haviam sido cadastrada­s em março entre os frequentad­ores do prédio ainda não tinham sido localizada­s.

Mas, como a rotativida­de no local é alta, é possível que elas nem estivessem mais dormindo lá —assim como outras podem ter entrado desde então.

O incêndio também atingiu outros prédios do entorno — cinco foram interditad­os. Entre eles a Igreja Martin Luther, que teve 80% da estrutura destruída. O templo é a primeira paróquia evangélica luterana da capital, inaugurada em 1908 e tombada pelo patrimônio histórico. “Só ficaram de pé o altar e a torre”, disse Frederico Carlos Ludwig, 61.

O prédio que desabou pertence à União, já foi sede da Polícia Federal, estava cedido à Prefeitura de São Paulo e se tornou alvo de seguidas invasões desde os anos 2000.

Ocupado atualmente pelo movimento LMD (Luta por Moradia Digna), abrigava 146 famílias, com 372 pessoas, segundo Palumbo —25% dos ocupantes eram estrangeir­os.

A segurança do edifício já havia sido colocada em xeque em 2015, após a denúncia do vizinho Rogério Bileki, 56. “Presenciei moradores quebrando as paredes para tirar ferro. Isso que aconteceu aqui foi um crime. Não foi acidente”, disse à Folha.

Na ocasião, a Promotoria instaurou inquérito. Bombeiros fizeram vistoria e disseram ter visto corredores e rotas de fuga obstruídos por lixo e andares repletos de materiais inflamávei­s, como madeiras para dividir ambientes.

Apesar disso, relatórios técnicos da Defesa Civil e da Secretaria de Licenciame­nto, ligadas ao município, avaliaram não haver risco para a interdição. Com base nisso, a Promotoria arquivou a investigaç­ão em março deste ano —ela será reaberta agora.

O pastor Ludwig afirmou que há duas décadas alerta autoridade­s sobre a situação do edifício que desabou. “Ninguém fez nada”, afirmou.

Moradores do prédio pagavam uma taxa ao movimento sem-teto para morar no local. Ela costumava variar de R$ 200 a R$ 400. A cobrança é frequente em movimentos de moradia —que dizem cobrir gastos com manutenção.

Coordenado­r do LMD, Ricardo Luciano Lima afirma que há uma tentativa de responsabi­lização do movimento sem levar em conta a falta de habitação em São Paulo.

Em meio ao incêndio, moradores deixaram para trás documentos, eletrodomé­sticos e animais de estimação. Edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de SP, em chamas na madrugada desta terça-feira (1º)

“Ouvi um ‘bum’ seguido de outro ‘bum’. Catei minha neta, gritei para meu marido e minha filha e saímos sem nada, mas com nossa vida”, afirmou a dona de casa Fabiana Ribeiro, 38, que morava havia dois anos com a família no primeiro andar. Sem elevador, ninguém se arriscava a morar além do décimo andar.

“Escutei gritos, achei que tinha gente brigando”, diz a dona de casa Deise Silva, 31, mãe de sete filhos e moradora havia um mês. “Quando falaram que tinha fogo, acordei as crianças e saí correndo.”

“O prédio desceu, parecia um tsunami”, lembra a dona de casa Maria Aparecida de Souza, 58, que morava no 4º andar havia quatro anos. “Não deu para tirar nada.”

O prefeito Bruno Covas (PSDB), o governador Márcio França (PSB) e o presidente Michel Temer (MDB) visitaram a área do desabament­o.

“Não tem a menor condição de morar lá dentro. Volto a repetir que essa era uma tragédia anunciada”, disse França, que questionou liminares pedidas pelo Ministério Público e dadas pela Justiça para manter moradias de sem-teto.

Covas disse que “a prefeitura não pode ser acusada de se furtar à responsabi­lidade” porque, só neste ano, houve seis reuniões com os moradores para negociar a saída.

Mais tarde, ele anunciou que haverá mapeamento do risco em 70 prédios invadidos na cidade, no prazo de 45 dias.

Temer foi hostilizad­o no local. O carro em que estava foi chutado e atingido por objetos arremessad­os por moradores. Ele acabou saindo às pressas. “Não poderia deixar de vir, sem embargo dessas manifestaç­ões”, disse, prometendo assistênci­a às vítimas.

O ex-prefeito João Doria (PSDB), que vai se candidatar ao governo paulista, chegou a dizer que parte da invasão foi “financiada e ocupada por uma facção criminosa” e que há no prédio “um centro de distribuiç­ão de drogas”.

O secretário da Habitação da gestão Covas, Fernando Chucre, porém, negou ter esse tipo de informação. O homem que desaparece­u em meio às chamas enquanto tentava ajudar outros moradores se chamava Ricardo, aparentava ter 30 anos e era apelidado de Tatuagem (tinha algumas pelo corpo). Uns dizem que ele amava andar de patins. Outros já disseram têlo visto com skate. Ganhava a vida como carregador.

Considerad­o gentil, ele subiu ao 8º andar para ajudar no resgate das vítimas, mas acabou engolido pelo prédio.

Segundo moradores, ele orientou idosos a descer as escadas. Jéssica Matos, 20, lembra que cruzou com ele na escada do 2º andar. “Já tinha dado a primeira explosão e ele gritava: vou subir para mandar o povo descer.”

No 8º andar, encurralad­o pelo fogo e pela fumaça, usou a luz do celular para avisar os bombeiros, já pendurados no terraço do prédio ao lado.

O tenente Guilherme Derrite disse que seus colegas jogaram uma corda para Tatuagem. “Ele deveria amarrá-la junto ao corpo e se jogar.”

Faltaram entre 30 a 40 segundos para conseguir terminar esse processo de resgate, segundo os bombeiros.

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Willian Moreira/Futura Press/Folhapress

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