Folha de S.Paulo

Refugiado africano foge pela terceira vez para sobreviver

Congolês morava havia cerca de 6 meses no edifício que desabou no centro de SP

- -Emilio Sant’Anna

são paulo Desta vez foi só o tempo de pular da cama, apressar a mulher e apertar o filho de um ano contra o peito escada abaixo. Atordoado com a explosão que parecia vir de um andar acima, em menos de três minutos estava na rua. Como se o fogo o congelasse, assistiu dali o quase nada que juntara se queimar.

Pela terceira vez em seus 46 anos, o congolês Lusangu Kibanda teve que fugir. Pela segunda, Mutoto Kanianga, 32, o acompanhou. Pela primeira, Jaime Lusangu, 1, juntouse aos pais para escapar.

“Acordei com gente gritando por todo lado, peguei meu filho e a minha esposa e corri para a escada”, diz Lusangu, com seu português cantado aprendido em Angola.

Dos pertences do casal, salvaram-se a roupa do corpo, uma Bíblia e alguns poucos documentos, afirma.

Se antes o refugiado —há pouco mais de um ano no Brasil— teve mais tempo para planejar, nesta terça-feira (1º), feriado do Dia do Trabalho, a única opção para esse desemprega­do formado em direito em seu país foi deixar tudo para trás em instantes.

Havia seis meses que o casal de imigrantes africanos e o menino brasileiro dividiam com outras duas famílias um dos apartament­os do edifício Wilton Paes de Almeida, invadido pelo Movimento Luta por Moradia Digna (LMD).

Antes disso, passaram seis meses vivendo em um abrigo para refugiados, mantido pelo governo do estado —quando a reportagem o entrevisto­u pela primeira vez.

Vencido o prazo para ficar por ali, partiram para uma ocupação na região da Luz.

Nem bem moraram um mês, se mudaram para o “prédio de vidro”, ao lado do largo do Paissandu, que abrigava um sem número de estrangeir­os, refugiados e outro sem número de brasileiro­s, uma população flutuante, constantem­ente em mudança, como o próprio edifício.

Na ocupação, as condições eram precárias. Segundo o imigrante, as ligações à rede de eletricida­de e as manutençõe­s eram feitas por moradores, que cobravam de R$ 20 a R$ 30. “Era tudo muito precário. Nunca vi nada assim.”

Os elevadores não funcionava­m, e era pelas escadas mesmo que os botijões de gás subiam para os apartament­os. “Não quero mais morar em conjunto, assim. Tem muita gente que não tem cabeça pra nada”, diz o congolês, que há um bom tempo se acostumou à adversidad­e.

Perseguido em seu país por ser filiado a um partido de oposição ao governo de Joseph Kabila e, segundo ele, por sua crença evangélica, fugiu para não ser preso. “A gente sabia o que acontecia na cadeia”, relembra. “Entrava, mas não saía.”

No início da década, noivo de Mutoto e ameaçado, reuniu as economias que não tinha, pagou um coiote e fugiu. “Deixei meu país debaixo de um caminhão. Passei para Angola escondido dentro de uma mala”, afirma o homem, de olhar duro e tom altivo.

Pouco tempo depois foi a vez de Mutoto encontrá-lo no país vizinho. Lá ficaram por quase dez anos, até que novamente passaram a ser perseguido­s, segundo ele, por questões religiosas.

O amigo que o recebeu e lhe deu abrigo em Angola foi o mesmo que pagou sua passagem e a da companheir­a, já grávida, até Montevidéu, no Uruguai. De lá partiram de ônibus até Porto Alegre e, após serem assaltados na rodoviária da capital gaúcha, finalmente, São Paulo.

O plano por aqui era encontrar um emprego, tentar validar seu diploma universitá­rio e criar o filho em paz. “Quando você vem de fora, tudo é São Paulo, pro dinheiro, pro trabalho. Então, queria vir para cá”, diz Lusangu.

Por enquanto, as coisas não estão saindo como planejadas.

No Wilton Paes de Almeida, o refugiado deixou mais um pouco de sua história e de sua família, dividida entre três países, perdida aos poucos.

“Não tem como explicar o que aconteceu nesse prédio. Eu vi ele cair. Eu vi, ele cair”, repete o homem.

Nesta terça, Lusangu e a família dormiram em outra ocupação no centro. Acolhidos por uma família da igreja, devem ficar um tempo por ali. Refugiados e sem-teto.

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Patrícia Stavis/Folhapress Lusangu e o filho em outra ocupação

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