Folha de S.Paulo

Dificuldad­es à vista

Com nova interpreta­ção do texto constituci­onal, STF atende à demanda correta por restrição do alcance do foro especial, mas aplicação da regra suscita dúvidas

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A mudança nas regras do foro especial, tal como decidida nesta quinta (3) pela maioria do Supremo Tribunal Federal, sem dúvida guarda correspond­ência, em linhas gerais, com as expectativ­as gerais da sociedade —que, notoriamen­te, perdeu a tolerância com a impunidade de seus representa­ntes.

Não poderia ser mais eloquente o caso que motivou as alterações agora aprovadas. Tratava-se de um candidato à prefeitura de uma cidade fluminense, acusado de compra de votos. Conforme se desenvolvi­a sua carreira política, o processo mudava de mãos, seguindo as prerrogati­vas de cada cargo que ocupava ou deixava de ocupar.

Tantos vaivéns jurídicos, como se observa, acarretam o risco de que expire o prazo legal para que um réu seja condenado.

Relator do processo, o ministro Luís Roberto Barroso apresentou uma questão de ordem, propondo novo entendimen­to para as regras da prerrogati­va de foro estabeleci­das na Constituiç­ão de 1988.

Passariam a ser julgados pelo Supremo apenas os crimes que um parlamenta­r tenha cometido no cargo e em razão de seu cargo. Crimes de outra natureza teriam o destino da primeira instância.

Ademais, uma vez encerradas as investigaç­ões, o processo não mais poderia reencaminh­ar-se a outros foros de julgamento, mesmo na hipótese de o réu deixar seu cargo.

Embora louvável no seu espírito, a proposta de Barroso suscitou críticas de ordem técnica e política por parte de outros ministros, como Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Mereceriam ser levadas em conta, o que terminou não sendo feito pela maioria.

Há que observar, em primeiro lugar, a tendência —que mais uma vez predomina no STF— de substituir por interpreta­ções engenhosas o método adequado de modificaçã­o das normas constituci­onais: o das emendas debatidas e votadas no Congresso Nacional.

Além disso, há uma questão de fundo. Em tese, um dos objetivos do foro especial é proteger o eleito de ameaças que possam atingi-lo a partir das oligarquia­s regionais.

Com a interpreta­ção agora aprovada, acusações sem relação com o mandato correrão na primeira instância. Parece tarefa complexa, entretanto, definir com precisão que tipo de ato tem ou não ligação com a atividade parlamenta­r.

Mais simples seria limitar a prerrogati­va segundo o critério do momento em que o crime foi cometido, passando ao STF os casos em que o suposto autor cumpria mandato de deputado ou senador.

Restam dúvidas quanto ao impacto da nova deliberaçã­o, sobre a Operação Lava Jato ou o tratamento futuro de outros cargos, por exemplo. O teste prático da inovação não deixa de pressagiar dificuldad­es —e, talvez, novos esforços de reinterpre­tação constituci­onal.

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