Folha de S.Paulo

Universida­des e robôs

- Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

Sempre houve, em países desenvolvi­dos, forte relação entre necessidad­es da sociedade e boas universida­des. Desde a emergência desta, sua função principal foi a de preparar estudantes para os papéis necessário­s para a época, como pessoas letradas para conduzir os negócios da alma ou do Estado, na Europa Medieval, ou, mais recentemen­te, profissões demandadas pelo mercado de trabalho.

Da mesma forma, coube às instituiçõ­es de ensino superior produzir conhecimen­to que permitisse avanços no enfrentame­nto de desafios e no estabeleci­mento de novas fronteiras.

Como nos lembra Joseph Aoun em seu livro, “Robot-Proof: Higher Education in the age of Artificial Intelligen­ce”, os seres humanos caminharam na Lua, dividiram o átomo e desenvolve­ram a internet a partir de pesquisas realizadas em universida­des.

A cada transforma­ção histórica no processo produtivo, como a Revolução Industrial e a criação de organizaçõ­es complexas com cadeias verticais de comando, a resposta encontrada foi, por um lado, extinguir postos de trabalho, mas, por outro, criar novos e demandar mais educação de seus ocupantes. O mesmo ocorreu com o advento dos computador­es.

Mas, há hoje, frente à emergência da inteligênc­ia artificial, uma lógica diferente: a velocidade de extinção de empregos se acelerou e passou a atingir mesmo trabalhos que demandam competênci­as cognitivas não rotineiras.

Quando se lida com máquinas que aprendem, não basta demandar maior escolarida­de dos seres humanos nem ensiná-los a pensar; há que se ensinar a pensar diferente.

Esse é o novo desafio para a universida­de, segundo Aoun. Ela deve ensinar os alunos a aprender ao longo da vida e oferecer cursos de diferentes durações e intensidad­es, para profission­ais que mudam constantem­ente de postos de trabalho.

Deve também ensinar competênci­as que são especifica­mente humanas, em que nos saímos melhor que robôs, como pensamento crítico ou resolução criativa e colaborati­va de problemas, e promover duas caracterís­ticas interligad­as: imaginação e curiosidad­e.

Para isso, deve se ligar em rede a outras escolas terciárias, criando o que Aoun chama de multiversi­dade. Precisa ainda acompanhar os egressos em seus caminhos profission­ais com atividades que complement­em a formação recebida, inclusive mentorias ou cursos que não necessitam ser previament­e definidos como de graduação ou pós, com certificaç­ões por blocos independen­tes, ligados às necessidad­es de recapacita­ção de cada um.

Isso não vai resolver todo o problema criado pela automação, mas formará, com certeza, seres humanos mais aptos a enfrentar suas consequênc­ias.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil