Folha de S.Paulo

Operação mira doleiros e pode dar origem a novas Lava Jatos

Delatores afirmaram que rede pelo país movimentou US$ 1,6 bi entre 2008 e 2017

- -Italo Nogueira e Ana Luiza Albuquerqu­e -Mario Cesar Carvalho • •

rio de janeiro e curitiba Os desdobrame­ntos da Operação Lava Jato no Rio levaram as investigaç­ões a 53 doleiros, operadores financeiro­s e fornecedor­es de dinheiro vivo, que podem abrir novas frentes de apuração sobre corrupção e lavagem de dinheiro.

Alguns mandados de prisão expedidos pelo juiz Marcelo Bretas tiveram como alvo nomes já mencionado­s nos casos Banestado, Operação Satiagraha e Farol da Colina. Outros são operadores até então pouco conhecidos dos investigad­ores.

“Essa é a maior operação desde o Banestado. Se pensarmos que a Lava Jato começou com um doleiro, podemos imaginar o potencial dessa operação. O potencial é explosivo”, disse o procurador Eduardo El Hage.

Ele se refere à prisão do doleiro Alberto Youssef, que havia sido preso em 2003 na Operação do Banestado e foi personagem central para a ampliação da Lava Jato em Curitiba.

A operação tem como base a delação premiada de Vinicius Claret e Cláudio Barbosa, apontados como os maiores doleiros do país. Eles detalharam em delação premiada como funcionava um sistema que reunia doleiros de todo o país que movimentou cerca de US$ 1,6 bilhão entre 2008 e 2017, envolvendo mais de 3.000 offshores em 52 países.

O principal alvo foi Dario Messer, filho do doleiro Mardko Messer, espécie de mentor de Claret e Barbosa na década de 1980. Ele era apontado como o responsáve­l por dar lastro financeiro e confiança no mercado para as operações da dupla.

Foragido, ele mantém relação próxima com o presidente paraguaio Horacio Cartes. Segundo a imprensa local, o aces- so ao Paraná Country Club de Hernanderi­as, onde Messer supostamen­te tem uma casa, foi restringid­o nesta quinta (3).

A dupla operava tanto contas no exterior como era capaz de fornecer dinheiro vivo para corruptore­s interessad­os em pagar as quantias a agentes públicos. Concentrav­a a operação dólar-cabo, usada para despistar as autoridade­s financeira­s do país.

No mercado de dólar-cabo desde 1980 no Rio de Janeiro, os dois se mudaram para o Uruguai a fim de fugir do monitorame­nto de autoridade­s do Brasil.

Claret e Barbosa foram presos em março do ano passado no Uruguai em decorrênci­a da Operação Eficiência, feita com base na delação dos irmãos Chebar e que prendeu o empresário Eike Batista. Claret foi citado como tendo auxiliado na evasão de US$ 85,4 milhões de Cabral —o que agora revela-se ser apenas uma fração de toda operação da dupla.

Os delatores afirmam que tinham pouca informação sobre para quais clientes os parceiros de negócios trabalhava­m. É mencionado serviço a políticos do MDB, à empresa JBS e “comunidade judaica”.

Entre os presos estão operadores que atuavam no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Minas Gerais.

Assim como Youssef, a operação desta quinta tem como alvo doleiros que firmaram delação após serem presos.

Entre os nomes estão Patrícia Matalon e Claudine Spiero. Matalon firmou acordo com o Ministério Público Federal no âmbito do caso Banestado. Ainda assim, segundo o Ministério Público, ela voltou a operar com Barbosa em 2014. Segundo as investigaç­ões, ela procurou a dupla para movimentar US$ 2 milhões entre 2014 e 2017.

A Folha não localizou a defesa de Dario Messer, foragido

Doleiros são alvo da operação “Câmbio, desligo” Desdobrame­nto da Lava Jato no Rio mandou prender 53 pessoas no Brasil e no Uruguai; investigad­os eram conhecidos de outras operações U$ 100 milhões até a conclusão desta edição.

O advogado Antônio Augusto Figueiredo Basto, que defende Patrícia Matalon e Marco Cursini, diz que sua cliente estava fora do mercado ilegal de dólares e não participou das operações relatadas pelos delatores. Sobre as acusações contra o doleiro Cursini, ele afirma que precisa estudar melhor a documentaç­ão para emitir uma opinião.

Nova operação expõe herança negativa do caso Banestado

ANÁLISE são paulo Em 2003, ao ser interrogad­o por um jovem juiz federal chamado Sergio Moro, o doleiro Alberto Youssef desfilou uma lista dos principais doleiros do país: “Um era eu, a Tupi Câmbios, a Acary, a Câmbio Real, o Mecer...”.

O erro na grafia do nome de Dario Messer, considerad­o o maior doleiro do país desde os anos 1990 e um dos alvos da Operação Câmbio, Desligo, mostra o tamanho da ignorância das autoridade­s brasileira­s sobre esse tipo de criminoso.

O fato de Messer continuar sendo o maior doleiro do país 15 anos depois desse interrogat­ório sugere que investigaç­ões desse tipo são episódicas, com resultados que parecem espetacula­res quando deflagrada­s, mas que viram poeira no final do processo.

Youssef revelou os nomes dos doleiros porque havia feito acordo de delação, que ele desrespeit­aria até ser preso novamente pela Operação Lava Jato, em 2014.

AlémdeMess­er,Youssefmen­cionou Kiko, apelido de Clark Setton, preposto de Marco Matalon. Messer e Matalon são —ou foram— os maiores doleiros do país, segundo os delatores Vinicius Claret e Cláudio Barbosa. Eram tão grandes que funcionava­m como espécie de Banco Central de doleiros, a quem os menores recorriam quando precisavam de dólares ou reais.

Eles são conhecidos da Polícia Federal e do Ministério Público há 15 anos, mas conseguira­m escapar da prisão com uma estratégia que era conhecida por todas as autoridade­s: mudaram-se para o Uruguai em 2003, com uma diferença de seis meses.

Os grandes doleiros mudaram seus negócios para Montevidéu porque sabiam que a delação de Youssef traria estragos para o mercado.

Em 2004, na Operação Farol da Colina, maior investigaç­ão já realizada sobre câmbio ilegal de dólares, Moro autorizou a prisão de 63 doleiros, acusados pela remessa ilegal de US$ 24 bilhões entre 1998 e 2002. Farol da Colina era a tradução do nome da conta (Beacon Hill) usada por doleiros brasileiro­s para fazer remessas para os EUA a partir de uma agência em Foz de Iguaçu do Banestado.

Como a lei autorizava remessas a partir de certas contas, os doleiros criaram milhares de contas falsas nessa agência para enviar o dinheiro para fora do país.

A investigaç­ão sobre o Banestado foi uma espécie de curso avançado para a Lava Jato. Foi ali que procurador­es e policiais aprenderam a usar dois dos principais instrument­os da investigaç­ão: os acordos de delação e a cooperação com outros países, sobretudo com EUA e Suíça.

Essa foi a herança bendita do caso Banestado. Há, porém, uma nada positiva. Criminosos como Youssef, Patrícia Matalon e Setton delataram na década passada, mas voltaram a cometer crimes, segundo Vinicius Claret.

Talvez fosse mais preciso batizar a operação com o nome do filme “De Volta para o Futuro”, no qual o personagem viaja ao passado para tentar consertar um erro que cometera 30 anos atrás. Os procurador­es da Lava Jato no Rio estão concluindo uma investigaç­ão que começou há 15 anos em Curitiba e ficou inconclusa. U$ 48,5 milhões Como era o esquema financeiro

Doleiros utilizavam operações dólar-cabo, remessas de valores ilícitas, por meio de compensaçõ­es, que se baseiam na confiança entre os envolvidos e funcionam à parte do sistema financeiro

QUEM USA? Quem entrega reais em espécie no Brasil para receber dólares em uma conta no exterior: Caso de agentes públicos que desejam enviar propina para fora do país Quem transfere dólares entre contas no exterior para receber reais em espécie no Brasil: Caso de empresas que desejam corromper agentes públicos no país

COMO FUNCIONA? $ $

Doleiros fazem o “casamento” entre clientes que querem comprar e vender dólares, cobrando uma taxa de cada uma das pontas

O doleiro fica responsáve­l por indicar para o cliente que venderá os dólares os dados da conta no exterior que os receberá, assim como por transporta­r os reais em espécie, no Brasil

O QUE CLARET

E BARBOSA FAZIAM?

Para ter muitos clientes, eles procuravam outros doleiros que poderiam indicar interessad­os nas transações. Claret e a Barbosa faziam estas conexões, funcionand­o como “doleiros dos doleiros”

COMO AS TRANSAÇÕES FORAM CONTROLADA­S? Claret e Barbosa fizeram uso de um sistema informatiz­ado próprio, o Bankdrop, onde estão registrada­s todas as transações internacio­nais

 ?? Fabio Teixera/Folhapress ?? Agentes da Polícia Federal durante operação realizada contra doleiros nesta quinta no Rio de Janeiro
Fabio Teixera/Folhapress Agentes da Polícia Federal durante operação realizada contra doleiros nesta quinta no Rio de Janeiro

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