Folha de S.Paulo

‘Dissolução do ETA não basta’, afirma ex-integrante da facção

Para ex-membro que ficou 8 anos preso, falta grupo terrorista basco se arrepender

- -Diogo Bercito

bilbao O grupo terrorista basco ETA, responsáve­l por pelo menos 820 mortes com uma violenta campanha separatist­a contra a Espanha, foi definitiva­mente dissolvido nesta quinta (3). A facção havia sido fundada em 1959. Sua extinção, anunciada na véspera, foi comunicada oficialmen­te às 14h locais (às 9h em Brasília).

O veterano Teo Uriarte, 72, acompanhou as notícias com o interesse de quem é afetado diretament­e. Ele fez parte da facção, o que o fez passar oito anos preso e rendeu uma condenação à morte na ditadura de Francisco Franco (1939-1975), depois anistiada. Arrependid­o, afastou-se de suas fileiras e se tornou, nas décadas recentes, um de seus críticos mais duros.

“Esse processo de dissolução vinha sendo gestado desde os anos 2000, quando o ETA demonstrou a sua incapacida­de de continuar existindo”, disse à Folha.

O fim da facção, ele avalia, é resultado das campanhas de detenções e também de seu isolamento político, tanto nacional quanto internacio­nal.

Uriarte se uniu ao ETA em 1964 para participar de um movimento nacionalis­ta violento que, àquela época, na ditadura, julgava ser uma causa justa. A organizaçã­o queria a independên­cia do País Basco —território que é parte da Espanha, mas tem identidade cultural bastante distinta.

“Rapidament­e nos frustra- mos por termos perdido a nossa juventude nas prisões”, contou. Detido em 1969, Uriarte foi condenado à morte em um julgamento sumário. Sua pena foi anulada após manifestaç­ões nas ruas e pressão internacio­nal. Em 1977, ele foi anistiado, abandonou o ETA e entrou na política, pelo PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol). Passou, então, a militar pelo fim da facção.

Naqueles anos, o ETA recrudesce­u a campanha e, com violentos ataques vitimando civis, perdeu boa parte do apoio popular. Seu primeiro carrobomba foi armado em 1985 e, dois anos depois, um atentado com explosivos em um supermerca­do de Barcelona deixou 21 mortos. A facção disse ter sido um equívoco.

Para Uriarte, o anúncio da dissolução do ETA é insuficien­te —ele não inclui um pedido de perdão a todas as vítimas, por exemplo.

A carta final do ETA também diz que sua razão de ser, a reivindica­ção de um País Basco independen­te, segue viva e precisa de solução. Outro ponto em aberto é a situação dos quase 300 membros da facção presos na Espanha e na França: a milícia pede que sejam perdoados, algo improvável.

Nesta quinta, o premiê espanhol, Mariano Rajoy, reiterou que a anistia não será debatida. “Façam o que for, não terão impunidade por seus crimes. Eles não conseguira­m nada com assassinat­os, tampouco conseguirã­o com essa propaganda”, disse, referindos­e ao anúncio da dissolução.

Uriarte concorda. “Os presos têm que cumprir suas penas e, depois, recriminar o seu passado, assumindo sua culpa. Só assim teremos algum tipo de reconcilia­ção nacional.”

O desmantela­mento do ETA foi acompanhad­o pela fundação Henry Dunant, especializ­ada na resolução de conflitos. “O ETA deixou de existir”, afirmou David Harland, diretor executivo da fundação, sediada em Genebra. “Mas falta um longo trabalho de reconcilia­ção, que exigirá respeito e apoio a todas as vítimas.”

O desmonte fora antecipado na quarta (2) com a divulgação de uma carta na qual a facção declarava sua extinção. O ciclo deve se encerrar formalment­e nesta sexta (4) em uma cerimônia pública em Cambo-les-Bains, no sul da França. Partidos espanhóis planejam boicotar o ato.

Já as associaçõe­s de vítimas e familiares enxergam com ceticismo o anúncio do ETA, que veem como estratégia para suavizar a imagem e se apresentar como atores políticos legítimos. Em manifesto lido na quarta em San Sebastián, País Basco, as vítimas negaram seu perdão à facção.

“É cinismo”, disse à Folha Ana Iribar, 54, uma das presentes. Seu marido, o deputado basco Gregorio Ordónez, foi morto em 1995 pelo ETA. “O que eles querem é abolir seu passado e seus crimes”, afirma. “Mas o Estado espanhol precisa perseguir até o último dos terrorista­s.”

 ?? Bob Edme/Associated Press ?? Pichação em Bayonne, sul da França, traz bandeira basca e frase ‘o povo quer viver’, citando o fim do ETA
Bob Edme/Associated Press Pichação em Bayonne, sul da França, traz bandeira basca e frase ‘o povo quer viver’, citando o fim do ETA

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