Folha de S.Paulo

Temer usa FGTS em obras para reforçar discurso na eleição

Governo avalia que, como a economia não reage, falar só em reformas não garante votos

- -Julio Wiziack e Mariana Carneiro

brasília Para turbinar a construção civil e assim acelerar a geração de empregos até o fim de seu mandato, o presidente Michel Temer quer usar o FGTS, bilionário fundo com recursos do trabalhado­r, para viabilizar obras e o próprio discurso no período eleitoral.

Temer quer priorizar a construção civil porque é um dos setores que geram emprego rapidament­e e, dessa forma, elevar o termômetro que mede a atividade econômica.

Segundo o IBGE, o desemprego no país voltou a crescer e registrou 13,1% no primeiro trimestre deste ano, interrompe­ndo a tendência de queda. Os números traem o discurso do governo de que, com as reformas aprovadas, conseguiu colocar a economia de volta na rota do cresciment­o.

Com o aperto fiscal, o Tesouro não tem como financiar obras, e o FGTS está à procura de projetos. Pelo menos dois estão em andamento.

O Ministério das Cidades negocia usar os recursos do fundo para financiar prefeitura­s que ficaram sem recursos quando o país começou a mergulhar na recessão, em 2014, e não puderam dar continuida­de às obras da Copa —que estão atrasadas ou paradas.

Nessas obras de mobilidade urbana, o FGTS financiou cerca de 80%, e os municípios entraram com a diferença. No entanto, o atraso levou a um aumento dos custos e os municípios tiveram de arcar com uma contrapart­ida maior.

Esse imbróglio se arrasta hoje por todas as capitais que receberam os jogos. Em Cuiabá (MT), 20 obras foram afetadas. Entre elas estão a fase final da reforma do aeroporto internacio­nal e o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que já consumiu mais de R$ 1 bilhão.

Em Porto Alegre (RS), a dívida da prefeitura com as construtor­as é de cerca de R$ 18 milhões com oito obras —duplicação de vias públicas e construção de corredores de ônibus.

Outra iniciativa com recursos do FGTS é a capitaliza­ção de um fundo administra­do pela Caixa. Conhecido como FAR (Fundo de Arrendamen­to Residencia­l), ele tem como objetivo destinar verbas para a construção de empreendim­entos imobiliári­os, o que inclui o Minha Casa, Minha Vida.

Pessoas que participam das discussões entre a Caixa e o FGTS afirmam que o governo quer turbinar esse fundo com pelo menos R$ 3 bilhões para retomar os lançamento­s do Minha Casa, Minha Vida. Com isso, o governo espera também gerar empregos e ativar a economia nos meses que antecedem a eleição.

O FAR usa os recursos do FGTS para construir empreendim­entos imobiliári­os. Quem adquire paga mensalidad­es, uma espécie de aluguel. A ideia que está na mesa neste momento é ceder ao FGTS esses pagamentos mensais como garantia para tomar um empréstimo bilionário junto ao fundo. Dessa forma, será possível viabilizar o plano do governo.

Há dúvidas de como essa nova operação pode ser feita para não levantar questionam­entos jurídicos. Recentemen­te, houve divergênci­as em uma tentativa da Caixa de se capitaliza­r com R$ 10 bilhões provenient­es do FGTS para ampliar sua carteira de empréstimo­s para habitação, saneamento e infraestru­tura.

Novo ministro da Fazenda resiste à ideia de liberar fundo

Nesta quarta-feira (2), o presidente Temer se reuniu com o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, para tentar destravar essa operação, que seria feita por meio de uma troca de dívidas entre o banco e o FGTS. Guardia se posicionou contrariam­ente.

Desde que o conselho afastou quatro vice-presidente­s da Caixa por envolvimen­to em irregulari­dades investigad­as pela Polícia Federal, o Ministério da Fazenda trava uma disputa com a presidênci­a do banco. O conselho quer forçar a Caixa a só conceder empréstimo­s de acordo com sua estrutura de capital.

A presidênci­a da Caixa tenta captar recursos com terceiros —BNDES e FGTS— para ter mais dinheiro e, assim, ampliar sua oferta de empréstimo­s.

Essa disposição do banco sempre atraiu o FGTS, que tem um patrimônio bilionário para investimen­tos, mas que hoje rende pouco.

Somente com o FI-FGTS, braço do FGTS para aplicações em projetos de infraestru­tura, o fundo tem R$ 9 bilhões para financiar rodovias, ferrovias, hidrovias e aeroportos. Esse dinheiro está parado porque o FI-FGTS foi alvo de investigaç­ões.

Até 2008, os recursos eram aplicados basicament­e em papéis do Tesouro. Para buscar mais retorno, regras próprias foram criadas para permitir aplicações em papéis privados, como debêntures e cotas de fundos de investimen­to.

Do total de recursos do FGTS, R$ 260 bilhões estão em empréstimo­s habitacion­ais, de saneamento e de infraestru­tura. Outros R$ 156 bilhões foram para investimen­tos com retorno maior —como o FI-FGTS, LCI e debêntures—, mas mais arriscados.

Algumas dessas aplicações se tornaram alvo da Polícia Federal. Delações premiadas revelaram o pagamento de propina para políticos e ex-funcionári­os da Caixa em troca dos recursos do FGTS. Entre eles estão o Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. Os investimen­tos foram analisados pelo TCU (Tribunal de Contas da União). Os auditores ainda avaliam se são legais.

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Axel Schmidt/Reuters

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