Folha de S.Paulo

Plano para Corpo de Bombeiros ampliar fiscalizaç­ão de prédios adormece em SP

Governo e deputados engavetara­m lei que daria aval para barrar imóveis; curto-circuito provocou incêndio

- -Rogério Pagnan Colaborara­m Guilherme Seto e Paulo Gomes

são paulo O poder de polícia que os bombeiros necessitar­iam para interditar edificaçõe­s sem condições mínimas de segurança —caso do prédio que pegou fogo e desabou na última terça-feira (1º) no centro de São Paulo— foi esvaziado pelo Poder Legislativ­o e mantido adormecido nos últimos quatro anos pelo Executivo estadual paulista.

Uma lei capenga, na definição do próprio autor, chegou a ser aprovada no final de 2014, mas não foi regulament­ada até agora pelos governos Geraldo Alckmin (PSDB) e Márcio França (PSB) —inviabiliz­ando sua aplicação prática.

O texto original previa poder de interdição de prédios públicos e privados pelo Corpo de Bombeiros —hoje só possível em caso de desastre iminente. A Assembleia Legislativ­a aprovou uma versão que permitia instrument­os para inibir as irregulari­dades, como a aplicação de multas, mas sem fechamento do imóvel. Ainda assim, a ferramenta não entrou em vigor.

Sem esse dispositiv­o, os bombeiros só podem comunicar as autoridade­s como prefeitura e Ministério Público.

Foi isso que ocorreu em 2015, quando eles identifica­ram uma série de problemas no edifício do largo do Paissandu invadido por sem-teto e que acabou desabando.

Dentre as irregulari­dades, obstáculos em rotas de fuga, falta de equipament­os para combate a incêndio, excesso de material combustíve­l (como madeira) e fiação elétrica irregular e improvisad­a —os chamados “gatos”.

O início do incêndio no prédio foi motivado por curto-circuito no 5º andar, como divulgou nesta quinta (3) a polícia.

“O bombeiro funciona como um bandeirinh­a no jogo de futebol. Ele está vendo impediment­o, levanta a bandeira, está mostrando. Mas se o juiz diz ‘segue o jogo’, não vale nada. O juiz, no caso, é a fiscalizaç­ão municipal”, disse Olímpio Gomes (PSL), autor da indicação do projeto (na época como deputado estadual).

O poder de interdição aos bombeiros, segundo ele, foi barrado na Assembleia devido ao lobby de construtor­as, de partidos de esquerda (para proteger ocupações irregulare­s) e da bancada evangélica (devido à situação das igrejas).

Da lei aprovada, foram regulament­adas pelo estado só duas partes sem vínculo direto com a fiscalizaç­ão: um sistema de emergência (que unifica procedimen­tos no estado) e um fundo aos bombeiros.

Em pelo menos outros dez estados do país os bombeiros têm poder de polícia. “O bombeiro, tendo isso nas mãos, vai conseguir fiscalizar e impedir de funcionar locais que são inseguros”, diz Reginaldo Campos Repulho, coronel e comandante da corporação na época do projeto original.

No Rio, os bombeiros têm esse poder desde 1976. “A gente pode aplicar multas e, nos casos extremos, abrir processo para interdição do imóvel”, afirma Rodrigo Polito, tenente-coronel da corporação.

O governador Márcio França (PSB) chamou de “tragédia anunciada” a queda do prédio nesta semana. Procurado para comentar a falta de regulament­ação da lei, transferiu a explicação à Secretaria da Segurança, que informou que a última etapa, que prevê fiscalizaç­ão e multa, “está em fase final de regulament­ação”.

“Não há, porém, qualquer prejuízo ao trabalho de fiscalizaç­ão realizado regularmen­te pelo Corpo de Bombeiros.”

Incêndio foi causado por curto-circuito em tomada, diz polícia

A polícia disse que, após ouvir uma testemunha, concluiu que um curto-circuito no 5º andar, provocado por excesso de aparelhos ligados em uma tomada foi a causa do fogo no prédio. No local havia quatro pessoas: marido, mulher e duas filhas.

“O incêndio começou em decorrênci­a de curto-circuito, em uma tomada com TV, micro-ondas e geladeira. Não foi briga de casal. O que aconteceu foi fatalidade”, disse Má- gino Alves, secretário de Segurança. Dois moradores do cômodo foram hospitaliz­ados. Uma das vítimas é uma criança de 3 anos, em estado grave, diz Mágino. O pai teve dois terços do corpo queimado.

A polícia avalia quem pode serrespons­abilizadop­orhomicídi­o culposo (sem intenção). O secretário diz que a cobrança de aluguel a moradores de prédios invadidos será investigad­a —a prática existe há décadas, e alguns grupos sem-teto dizem que ela visa custear a manutenção dos edifícios.

“Mandei investigar essas associaçõe­s, e não os movimentos que promovem as ocupações, quero deixar isso bem claro”, afirmou Mágino.

Relatório de janeiro de 2017 feito pela Secretaria de Urbanismo da prefeitura apontou três locais no prédio com fiação elétrica exposta e uma entrada de energia improvisad­a.

O Ministério Público Federal informou que foi instaurado um inquérito para apurar a responsabi­lidade pelo desastre, com eventual improbidad­e dos responsáve­is pelo prédio (que pertencia à União). Quantas pessoas viviam ali? Antes de cair, o prédio era ocupado pelo movimento LMD (Luta por Moradia Digna). Segundo cadastro da Secretaria de Habitação, eram 455 moradores de 171 famílias

Quantas estão desapareci­das? Oficialmen­te, quatro: Ricardo, que estava prestes a ser içado pelos bombeiros quando o prédio desabou, Selma Almeida da Silva, 38, e seus filhos gêmeos de 9 anos, Wendel e Werner

Pode haver mais mortes? Sim, a prefeitura possui uma lista de 49 pessoas que viviam ali, mas que ainda têm o paradeiro incerto. O número foi definido no cruzamento de um cadastro antigo do prédio com nomes que familiares e amigos apontam. Como a rotativida­de no local é alta, porém, é possível que essas pessoas nem estivessem mais dormindo lá —assim como outras podem ter entrado depois disso

Onde as pessoas desabrigad­as estão?

Parte está acampada no largo do Paissandu, ao lado do prédio que desabou, e parte foi para outras ocupações, casas de parentes ou abrigos da prefeitura (caso da maioria das famílias, segundo a prefeitura)

Quantos estão desabrigad­os?

 ??  ?? Não é possível saber o número exato. Até esta quinta (3), cerca de cem pessoas se apresentar­am em centros municipais de acolhiment­o e declararam serem exmoradore­s do edifício que caiu. A prefeitura também informou que já foram registrada­s 56 famílias...
Não é possível saber o número exato. Até esta quinta (3), cerca de cem pessoas se apresentar­am em centros municipais de acolhiment­o e declararam serem exmoradore­s do edifício que caiu. A prefeitura também informou que já foram registrada­s 56 famílias...
 ?? Rubens Cavallari/Folhapress ?? Bombeiros trabalham em escombros de prédio que pegou fogo e desabou no centro de São Paulo
Rubens Cavallari/Folhapress Bombeiros trabalham em escombros de prédio que pegou fogo e desabou no centro de São Paulo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil