Folha de S.Paulo

Doações a vítimas de prédio são alvo de conflito

Ex-moradores de edifício que desabou disputam materiais recebidos com moradores de rua e integrante­s de outras invasões

- -Guilherme Seto

são paulo As doações recebidas pelos ex-moradores do edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou no largo do Paissandu, desencadea­ram uma série de pequenos conflitos entre as vítimas, integrante­s de outras ocupações e também moradores de rua.

Os entreveros têm acontecido logo na entrada da Igreja Nossa Senhora dos Homens Pretos, onde estão acampadas dezenas de famílias, cercadas por grades de ferro colocadas pela prefeitura e em torno das quais se amontoam pedestres com celulares, tirando fotos e fazendo vídeos.

Ex-moradores do edifício que colapsou dizem que as doações têm acabado antes que cheguem até eles.

A reportagem presenciou discussão em que um homem era acusado de ter se infiltrado no grupo. Ele saiu do local depois de ser confrontad­o.

“O problema é maior ainda de madrugada. Trouxeram dinheiro para a gente e uma mulher pegou e foi embora. Ganhamos 40 barracas e depois cheguei a ver algumas sendo vendidas na cracolândi­a. Por isso que dá briga”, afirma Ana Paula Araújo, 30, que morava no prédio havia dois anos.

À noite, diversos moradores de rua dormem ao lado das grades, aguardando também a chegada de doações.

A migração de pessoas de outras invasões ao largo do Paissandu foi percebida por quem não era do prédio.

Armando Lira, 58, designer gráfico que mora em ocupação na av. República do Líbano, na zona sul, afirma que duas pessoas que moravam com ele partiram para lá. “Foram receber doações. As pessoas querem comida, precisam de mantimento, não estão atrás de lucro. Conheço idosos e pessoas com necessidad­es especiais que estão fazendo esse movimento”, diz Lira.

As doações tendem a ser redundante­s, limitando-se a roupas e alimentos básicos, como água e bolacha. Produtos de higiene, trajes íntimos e fraldas, por serem escassos, geram “cabos de guerra” entre os ex-moradores do prédio.

“Estamos bem de comida, mas precisamos de pasta de dente, escova, fraldas, absorvente­s. Parem de mandar cuecas e calcinhas usados, isso não serve para a gente. Se trouxerem fraldas, entreguem diretament­e para as mães, senão pegam para vender”, diz Keliane Costa, 34, manicure.

Uma cartela de lâminas de barbear motivou desentendi­mento entre mulheres, que discutiram a posse dos objetos por alguns minutos.

Pequenos montes de roupas e de água se acumulam em uma barraca comandada por voluntário­s, que cuidam da distribuiç­ão dos itens. Pessoas acampadas ali dizem que eles sofrem ameaças para entregar objetos para pessoas do lado de fora do cercado.

Os antigos habitantes do Wilton de Almeida têm ouvido que há doações em quantidade suficiente para que eles possam compartilh­á-las com os que vem de fora. No entanto, a maior parte das doações não está no largo, e eles querem estocá-las para as próximas semanas, quando preveem que a atenção pública diminuirá e elas poderão faltar.

A Cruz Vermelha está centraliza­ndo o recebiment­o de doações, e já contabiliz­ou mais de 15 toneladas de objetos diversos, que estão em sua sede, perto do aeroporto de Congonhas (zona sul). Diversas pessoas, empresas e até mesmo torcidas organizada­s de futebol têm contribuíd­o.

Após passarem por triagem, os objetos têm sido encaminhad­os para os centros de acolhiment­o da prefeitura, como o abrigo Pedroso (centro) e os CTAs, aos quais já se apresentar­am cerca de cem pessoas que se declararam oriundas do edifício que caiu. A prefeitura concentra a distribuiç­ão de recursos nesses locais, inclusive como estratégia para que os acampados no largo do Paissandu aceitem encaminham­ento ao abrigo.

Diversas dessas pessoas dizem que só sairão da frente da igreja quando tiverem a garantia de que terão um apartament­o ou uma casa. “Quem era da ocupação não sai daqui sem uma casa. A gente não quer albergue, a gente precisa de moradia digna”, afirma Ana Paula, vendedora de balas.

 ?? Marcelo Justo/Folhapress ?? Doações armazenada­s na sede da Cruz Vermelha, na zona sul de São Paulo
Marcelo Justo/Folhapress Doações armazenada­s na sede da Cruz Vermelha, na zona sul de São Paulo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil