Folha de S.Paulo

Cidade do AM tem aumento de 3.550% da forma mais nociva da malária

- -Fabiano Maisonnave O repórter Fabiano Maisonnave viajou a convite do ISA (Instituto Socioambie­ntal)

são gabriel da cachoeira (am) O agente de saúde indígena Basilio Pena enfrentou sete dias num barco até São Gabriel da Cachoeira (850 km de Manaus) para buscar o salário. Por causa do cartão de banco danificado e do RG perdido, não conseguiu tirar o dinheiro. De quebra, contraiu malária.

O índio da etnia hupda está longe de ser exceção. Apenas nos primeiros quatro meses 2018, o município de 45 mil habitantes registrou 5.072 casos da doença, um aumento de 49% em relação ao mesmo período de 2017.

Análise da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS), do governo estadual, mostra que a incidência da doença em São Gabriel chega a 344,28 casos por 1.000 habitantes neste ano. Trata-se do município com mais casos de malária no Amazonas, com 24% do total, apesar de concentrar apenas 1,1% da população do estado.

Mais preocupant­e ainda é a explosão de casos da malária falciparum, causada pelo protozoári­o

e responsáve­l por 90% das mortes pela doença no Brasil. Os 1.314 casos de falciparum no quadrimest­re representa­m um aumento de 3.550% em relação a mesmo período de 2017. Duas mortes já foram registrada­s neste ano.

A configuraç­ão de São Gabriel, às margens do rio Negro, dificulta o combate. Com 109,2 mil km² (pouco maior do que Pernambuco), cerca de 80% da área é ocupada por terras indígenas.

O intenso fluxo de pessoas entre as centenas de comunidade­s e a cidade, principal foco da malária, contribui para espalhar a doença pelo vasto território.

Contam ainda a falta de saneamento e tanques de piscicultu­ra abandonado­s, que favorecem a proliferaç­ão do mosquito transmisso­r Os casos estão espalhados por 239 localidade­s, das quais 116 apresentam malária falciparum, também registrada em todos os bairros urbanos.

“[É uma] realidade sem precedente­s no histórico epidemioló­gico do município”, afirma a FVS, que vê fragilidad­e no programa de controle da malária.

Procurada nos últimos dois dias, a secretária municipal da Saúde, Eufélia Gonçalves, não atendeu ao pedido de entrevista da Folha, alegando falta de tempo.

Em palestra durante evento com mulheres indígenas nesta quarta(2), Gonçalves anunciou que o município, comandado por Clóvis Saldanha (PT), decretara estado de emergência por causa da epidemia.

São Gabriel é um caso extremo do recrudesci­mento da malária. No ano passado, o Brasil registrou um aumento de 50% da doença, com 194 mil registros, 99% na Amazônia. O aumento da falciparum, por sua vez, chegou a 33% no ano passado, afastando o país da meta oficial de eliminar a forma mais perigosa da doença até 2030.

Em tratamento, Pena teve sorte: foi diagnostic­ado com a malária vivax, a forma mais branda da doença. Já o saque do salário dependerá de um boletim de ocorrência sobre a perda do RG, ainda não solicitado.

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