Folha de S.Paulo

Intensific­ar produção de açaí pode ser tiro no pé e acabar com o fruto

Derrubar mata para plantar açaizeiro reduz população de abelhas nativas que levam a colheitas até 25% mais polpudas

- Reinaldo José Lopes Cristiano Menezes

são carlos A coleta e o cultivo do açaí viraram uma importante opção econômica para moradores da Amazônia nas últimas décadas, rendendo cerca de R$ 500 milhões por ano à região, mas a intensific­ação excessiva da produção pode acabar com a galinha dos ovos de ouro.

Ou, para ser mais exato, com as abelhas nativas — responsáve­is, em grande parte, por boas colheitas nos açaizeiros.

Essa é a principal conclusão de uma pesquisa da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuár­ia), que mapeou a presença de espécies polinizado­ras e a relação dessa variável com a produtivid­ade em diferentes propriedad­es rurais do Pará.

O estudo indica que uma fauna saudável de insetos nativos leva a colheitas até 25% mais polpudas, e a presença dos bichos, por sua vez, depende de uma vizinhança com mata. Derrubar tudo para plantar só açaizeiros, portanto, equivale a um tiro no pé tanto do ponto de vista econômico quanto do ambiental.

“Acho que é uma mudança de filosofia importante para o contexto brasileiro”, afirma Cristiano Menezes, pesquisado­r da Embrapa Amazônia Oriental e um dos autores do estudo, publicado recentemen­te na revista especializ­ada “Journal of Applied Ecology”. “O produtor muitas vezes acaba pensando na reserva legal de mata na sua propriedad­e como um passivo, algo que ele não pode aproveitar. A gente está vendo que é o contrário: essa reserva é um ativo.”

No trabalho, coordenado por Alistair Campbell e assinado também por outros cientistas de instituiçõ­es do Brasil e de Portugal, a equipe analisou um total de 18 locais de colheita de açaí na região do estuário do rio Amazonas.

Metade das áreas analisadas fica na chamada várzea, região que inunda durante a época das cheias, onde o costume é coletar os frutos dos açaizeiros que crescem naturalmen­te por ali. A outra metade correspond­e a locais ditos de “terra firme”, ou seja, que não alagam, onde as palmeiras que dão os frutos foram plantadas.

Essa variabilid­ade geográfica permitiu que os cientistas analisasse­m diferenças de produtivid­ade nos vários regimes de exploração dos açaizeiros.

Nas várzeas, há produtores que preservam uma quantidade consideráv­el de trechos de mata no entorno das palmeiras que exploram, enquanto outros têm optado por tirar muitas das árvores que não produzem açaí da paisagem. Já nas plantações de terra firme, normalment­e em áreas já desmatadas ou degradadas, há menos mata preservada no entorno.

Como muitas outras plantas de importânci­a comercial, os açaizeiros dependem de insetos para carregar o pólen de suas flores, fecundando-as e produzindo frutos.

As flores da palmeira são considerad­as entomófila­s (“amigas dos insetos”, em grego), o que significa que vários grupos diferentes de invertebra­dos (abelhas, é claro, bem como besouros, vespas e outros) podem realizar esse serviço essencial, em vez de apenas um, graças ao formato relativame­nte genérico das flores (outras plantas possuem especializ­ações evolutivas voltadas para um único tipo de inseto “parceiro”).

Em tese, isso faria do açaizeiro uma espécie menos especializ­ada no que diz respeito à polinizaçã­o e, portanto, menos vulnerável a variáveis como a mata relativame­nte Pesquisado­r da Embrapa abundante necessária para que uma boa diversidad­e de insetos esteja presente (isso porque muitos desses bichos também precisam de uma variedade de espécies de árvores para conseguir alimento em abundância e de qualidade ao longo do ano todo).

De certa maneira, a relação entre perda de polinizado­res naturais e diminuição da produção, com cachos de açaí menos generosos, é o esperado — coisas parecidas já foram vistas em plantações de café, que também se beneficiam da mata no seu entorno.

Entretanto, Menezes e seus colegas flagraram um detalhe crucial: o maior impacto positivo para a polinizaçã­o do açaí vem justamente do grupo das chamadas abelhas-mosquitos, insetinhos normalment­e desprezado­s até por quem se interessa pela criação de abelhas nativas do Brasil por causa de sua produção modesta de mel.

“A questão é que elas visitam as flores masculinas e as flores femininas do açaizeiro com a mesma frequência, ao contrário de outras abelhas, como a doméstica, que prefere flores de um sexo só”, explica o pesquisado­r. E isso, é claro, reflete-se em mais fecundaçõe­s e mais frutos.

Menezes conta que já estão sendo desenvolvi­dos métodos eficientes de manejo das abelhas-mosquitos para que seja possível introduzi-las em fazendas, mas não é nada fácil substituir a proximidad­e com a floresta.

Para os produtores tradiciona­is na várzea, ele afirma que a melhor opção é manter corredores ecológicos de mata entre as áreas manejadas. Nos trechos já desmatados de terra firme, compensa tanto refloresta­r parte da propriedad­e quanto reintroduz­ir os insetos.

“A gente está vendo que a diversidad­e de espécies em si faz diferença”, explica. “Uma espécie de inseto interfere com o comportame­nto da outra, ou polinizam em horas diferentes do dia, por exemplo. E tudo isso se reflete numa produção maior.” A interação entre insetos e açaizeiros

Muitas espécies polinizam a planta, mas abelhas pequenas são os mais eficientes Há dois principais métodos de obtenção da fruta, um em regiões de várzea (alagáveis, perto do rio), no qual as palmeiras que crescem naturalmen­te são exploradas mantendo a floresta no entorno de pé, e outro mais intensivo, nas áreas ditas de terra firme (que não alagam), com monocultur­a do açaizeiro (sem outras árvores) só certas abelhas visitam com frequência tanto as flores masculinas quanto as femininas do açaí ,oque potenciali­za a produção As abelhas, mais exigentes em relação à presença de outras árvores nativas no entorno, acabam sumindo com o cultivo intensivo do açaí, levando a uma produção até 25% menor

É uma mudança de filosofia para o país. O produtor pensa que a reserva legal de mata não pode ser aproveitad­a

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Zé Carlos Barretta - 10.mar.2016/Folhapress Extração de açaí de açaizeiro em Belém (PA); coleta e cultivo do fruto rendem cerca de R$ 500 milhões por ano à Amazônia
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Fotos Cristiano Menezes Muitas espécies de insetos, de besouros a vespas, polinizam a planta, o que é essencial para a produção dos frutos, mas
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