Folha de S.Paulo

‘Handmaid’s Tale’ volta em temporada que explora o presente para assustar

- Luciana Coelho coelho.l@uol.com.br “Handmaid’s Tale”, do Hulu, é exibido às quartas nos EUA e não tem data para estrear no Brasil, onde a primeira temporada é exibida pelo Paramount

Será difícil ter uma noite de sono tranquilo após os primeiros episódios da nova temporada de “The Handmaid’s Tale”, a ficção de ciência social (na definição da autora Margaret Atwood) vertida em série em 2017 que nesta segunda etapa ganha registro de terror.

Atwood escreveu em 1985 “O Conto da Aia” (ed. Rocco, 2006), que serviu de base para os dez episódios iniciais, centrados no calvário de June/Offred (Elisabeth Moss, novamente hipnotizan­te) na fictícia república de Gilead.

Trata-se de uma ditadura puritana que, após uma guerra a respeito da qual só começamos a ter clareza, substituiu a maior parte dos EUA e onde o “produto” mais cobiçado são ovários férteis e úteros sãos.

Nesta segunda temporada, o espectador se encontra com June após o ponto final do livro, e, tal qual sua heroína, não sabe por onde seguir.

É tolo avaliar, com 3 dos 13 episódios previstos no ar, se a rota fará jus ao senso social acurado da canadense Atwood e da atmosfera sorumbátic­a que ela criou e que foi, no primeiro ano, bem transposta à tela pela plataforma online Hulu (indisponív­el no Brasil).

O que se tem em mãos, por ora, é ainda mais atordoante.

Se a primeira temporada construiu com delicadeza as conexões desse mundo paralelo com o nosso, nesta a ligação é explícita. Natural, posto que a primeira foi pensada em 1985, e a segunda agora, sob polarizaçã­o política e social e guerra de propaganda agudizadas em cada país, e não mais na forma de inimigos externos como nos anos 80.

Os cenários de Gilead trocarão, portanto, referência­s discretas por locais e signos muito presentes: o estádio de Fenway Park, o principal de Boston; o premiado jornal Boston Globe; as universida­des celebradas da região, o escrutínio dos aeroportos, um DVD da série “Friends”.

Assim o que era alegoria se torna escracho, e ainda que se carregue a tinta para expor a perseguiçã­o daqueles que ousam Elisabeth Moss em cena do episódio ‘June’, o primeiro da segunda temporada da série pensar ou agir de forma diferente, com a troca do terror psicológic­o pelo visceral, esse balaio de elementos cotidianos enverniza o roteiro de realismo e ajuda bem a catalisar nossos medos.

Sem spoilers aqui, há, no segundo episódio, sequências que gritam aos que trabalham com informação, jornalista­s e professore­s sobretudo, e as consequênc­ias do cerco ao exercício dessas profissões.

Não é licença dos roteirista­s/produtores (novamente o ótimo Bruce Miller). Atwood, 78, acompanha a adaptação e declarou à revista Vanity Fair que a assusta a circulação de informaçõe­s falsas e os ataques a jornalista­s (foram 65 assassinat­os em 2017, segundo a Repórteres sem Fronteiras, e agora os profission­ais são visados por políticos populistas pelo mundo).

Sem o livro como trilho, a temporada navega entre flashbacks que, para o espectador, soam muito atuais e cenários decalcados de clássicos scifi, de desertos e radiação. As mulheres seguem no centro da história, agora de resistênci­a e não mais de submissão.

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Reprodução

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