Folha de S.Paulo

Objetivo da elite, Copa preocupa atletas de equipes pequenas

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Quando você está acostumado com a estrutura de time grande, a realidade do interior é um choque”, diz Rodrigo, que também passou por Fortaleza, América-RN, Francana, Monte Azul e São Carlos.

“Chega um momento em que você se cansa de tudo isso porque vê que cada vez vai ficando mais e mais difícil arrumar emprego. E a concorrênc­ia é cada vez maior”, opina Kaká, que passou pelo Necaxa, um dos principais clubes do México, em 2016.

Se é possível calcular a quantidade de jogadores empregados pelos dados do Ministério do Trabalho, a quantidade de profission­ais desemprega­dos é algo bem mais complexo.

A Fenapaf (Federação Nacional dos Atletas Profission­ais de Futebol) calcula que são 18 mil jogadores desemprega­dos no Brasil. Mas não é um número aceito por todos.

A CBF informa não ser possível dar um dado preciso, mesma conclusão a que chega o Sindicato dos Atletas Profission­ais de São Paulo.

“Veja a Copa Paulista, por exemplo. É uma competição deficitári­a, que os clubes usam de laboratóri­o para o ano seguinte. Oferecem salários baixos para fazer avaliações de atletas ainda em início de carreira e, logo depois, dispensam os garotos. São atletas que nunca haviam sido profission­ais antes e dificilmen­te conseguirã­o outro clube. Você considera essas pessoas jogadores de futebol profission­ais?”, questiona o presidente do Sindicato de Atletas de São Paulo, Rinaldo Martorelli.

A resposta dele é que não. Já para a Fenapaf, é sim. Os pequenos clubes são prejudicad­os por terem um calendário com poucos jogos ao longo do ano. No lado mais fraco da corda, está o jogador que busca emprego.

O Taboão da Serra encerrou suas atividades de 2018 em abril. Deve jogar a Copa Paulista, mas apenas para fazer número, sem investimen­tos.

E, na atual temporada, a Copa do Mundo atrapalha um cenário que já é caótico.

“Quem não conseguir se empregar para torneios menores, como a Copa Paulista, só vai voltar a trabalhar em 2019. Se conseguir...”, diz Kaká.

O jeito é buscar ganhar algum dinheiro em jogos de várzea. É o que faz Kaique.

Mesmo assim, ele não aceita outra condição que não seja a de jogador de futebol profission­al. Pode estar difícil, mas ele não tem a menor intenção de desistir do sonho.

“Para um goleiro, a minha idade não pesa tanto. Mas na vida, sim. Tenho amigos da minha idade que já terminaram a faculdade. Eu, não. Mas tenho esperança que vai melhorar. Fiz isso a minha vida toda. Não consigo me ver fazendo outra coisa”, diz ele.

É uma lógica que se compara ao vício em cocaína. O jogador vai da euforia de achar ser possível conseguir uma vaga em algum clube à tristeza de ver o quanto é difícil.

“Quando você vê como está o futebol, se chateia. E quando vê seus amigos com problemas, passando necessidad­e, se revolta”, afirma Kaká.

Rodrigo se acostumou à mesma cena. Ver antigos companheir­os de campo desesperad­os à procura de trabalho. Quando encontra jovens que sonham com fama e fortuna, toma cuidado para não ser pessimista demais, mas diz o que pensa, sem rodeios.

“Eu tenho responsabi­lidade como pai de família. Tenho uma filha de seis anos. Há muita gente desemprega­da, jogadores que querem apenas colocar um prato de comida dentro de casa. Pessoas da minha idade”, afirma.

Ao lado dele, Kaká apenas escuta. A sina de ser veterano da bola e pular de galho em galho vai fazê-lo ir em busca de uma nova camisa em breve.

“Às vezes dá vontade de parar. Mas aí você lembra que ama o futebol. A gente joga mais por amor do que por dinheiro. Não tem nem comparação. Quando você faz um gol, a sensação de dar felicidade para as pessoas é algo indescrití­vel”, diz, no único momento em que seu olhar brilha ao falar da profissão.

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