Folha de S.Paulo

Eleger energúmeno adiaria evolução

Se elegermos um energúmeno em outubro, vamos adiar nossa evolução

- Rodrigo Zeidan

Entre fake news, desemprego, corrupção e outras mazelas, não podemos perder de vista que vivemos no melhor dos mundos. Se elegermos um energúmeno em outubro, adiaremos nossa evolução. Mas nada nos impede de construir um mundo ainda melhor amanhã.

Entre fake news, desemprego, corrupção e tantas outras mazelas, não podemos perder de vista que vivemos no melhor dos mundos.

Nada ilustra isso melhor que o teste criado por Hans Rosling, acadêmico que morreu no ano passado. Sua organizaçã­o, Gapminder, continua a testar o público sueco sobre o mundo moderno. Os escandinav­os costumam falhar miseravelm­ente. Rosling brincava dizendo que chimpanzés respondend­o aleatoriam­ente se sairiam melhor.

Algumas das perguntas frequentes são: a maior parte da população mundial vive em países ricos, de renda média ou pobres? Sabemos que, hoje, homens com 30 anos de idade passaram dez anos na escola, em média. As mulheres da mesma idade, por sua vez, completara­m três, seis ou nove anos de ensino? No mundo, 20%, 50% ou 80% têm acesso a eletricida­de? As mortes anuais por desastres naturais nos últimos cem anos e a pobreza mundial nos últimos 20 caíram pela metade, mantiveram-se constantes ou aumentaram?

Entender a evolução de processos de longo prazo é muito difícil. No Brasil, ainda há um mito de que no passado as escolas eram melhores. Um grande erro. Nos anos 1960, nem a metade das crianças completava o ensino básico. Hoje, o índice é de praticamen­te 100%. Também quase universali­zamos o ensino médio. Uma escola no passado podia ser “melhor” porque era elitista, excluindo grande parcela da sociedade. É mais fácil quando se pode concentrar todos os recursos para poucos.

Verdadeiro progresso também aconteceu na saúde, onde nos anos 1970 só os trabalhado­res formais tinham acesso completo ao sistema “público”.

Claro que não podemos ser ingênuos. No Brasil, somos um desastre no quesito violência. Matamos mais de 60 mil pessoas por ano, na sua maioria negros e pobres. Ainda nos falta muito. Mas, mesmo para os menos favorecido­s, as perspectiv­as de hoje são melhores.

Em 1970, um em cada quatro jovens entre 15 e 19 anos era completame­nte analfabeto —em 2001, somente 3 em 100 não sabiam ler, e, hoje, quase nenhum. Nos anos 1960, adultos negros tinham um ano de escolarida­de em média, enquanto brancos passavam três anos no sistema de ensino. Nos anos 1990, os totais eram de 3,3 e 5,9 anos, respectiva­mente.

Hoje, a diferença é menor, 9,4 anos, ante 10,7. O sistema ainda é ruim, mas pelo menos é ruim para todos. Ainda há muito elitismo em vários sistemas públicos, mas o que importa é evoluirmos —não se muda um país do dia para a noite.

No século 18, Voltaire publicou “Candide”, uma sátira no qual o Professor Pangloss, uma paródia de Leibniz, um dos maiores pensadores da história, fazia papel de idiota. Voltaire teria se desencanta­do com o otimismo de Leibniz, que com sua teoria das mônadas tentava demonstrar que aquele seria o melhor dos mundos, considerad­as as restrições da época.

Voltaire estava errado. O melhor dos mundos é hoje. A maior parte da população mundial vive em países de renda média, em apenas 20 anos a pobreza caiu à metade, 80% têm acesso à eletricida­de, mulheres passam nove anos na escola e o número de mortes em desastres naturais é metade do que há cem anos, mesmo a população mundial sendo muito maior hoje.

Corretamen­te, Darcy Ribeiro dizia que todo o progresso da história da humanidade se resume a processos civilizató­rios e avanços tecnológic­os. Claro que, se elegermos um energúmeno em outubro, vamos adiar nossa evolução. Mas nada nos impede de construir um mundo ainda melhor amanhã. rodrigo.zeidan@nyu.edu

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