Folha de S.Paulo

De elogios e esculachos

- Alvaro Costa e Silva

rio de janeiro Apesar de um disco esplêndido que lhe foi dedicado em 2009 – “Tantinho Canta Padeirinho da Mangueira”—, Oswaldo Vitalino de Oliveira, o Padeirinho em questão, é um dos segredos mais bem guardados do samba.

Da segunda dentição dos compositor­es da Estação Primeira, sucedendo a Cartola e Carlos Cachaça, foi craque no partido alto e cultor do calango e do sincopado em suas melhores composiçõe­s: “Se Manda, Mané”, “A Situação do Escurinho”, “Mora no Assunto”, “Linguagem do Morro”, “Modificado”. Esta é uma crítica simpática à bossa nova: “Já não se fala mais do sincopado/ Desde quando o desafinado/ Aqui teve grande aceitação”.

Trabalhou como estivador, lixeiro, operário numa fábrica de chapéus perto de Mangueira. Bebia muito e morreu em 1987. Tinha 59 anos, ia gravar um primeiro disco individual e poderia ter obtido o reconhecim­ento tardio do qual Cartola desfrutou, mas não houve tempo.

Um dia Padeirinho comandava o pagode no Buraco Quente e um alienígena não parava de lhe gritar os maiores elogios: “Que suingue! Que rima rica! Agora canta aquela!”. Chateado com tanta efusão, ele se virou para um parceiro e falou: “Elogio demais é esculacho”.

Assim que li a notícia de que a próxima edição do Rock in Rio, em 2019, vai montar um Espaço Favela, lembrei um samba de Padeirinho intitulado justamente “Favela” (“Cada pobre que passa por ali/ Só pensa em construir seu lar”).

Ao exibir uma cenografia de morro irreconhec­ível aos olhos do carioca —bonita, lúdica, colorida—, o empresário Roberto Medina disse que a ideia é retratar a alegria dos moradores: “Pessoas do bem que trabalham e buscam melhores condições de vida. Queremos iniciar um movimento que traga esperança para quem vive nas comunidade­s”.

Pode ser uma homenagem, uma força ou um elogio, mas, diante da realidade das favelas, é um esculacho.

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