Folha de S.Paulo

Pressão internacio­nal é única forma de Maduro sair, afirma líder opositora

María Corina Machado considera que manifestan­tes estão de pé, mas atribui ruas vazias à repressão

- -Sylvia Colombo

caracas Impedida de sair da Venezuela desde 2014, por ordem do regime ditatorial de Nicolás Maduro, e proibida de pegar voos domésticos, a ex-deputada opositora María Corina Machado, 50, do partido Venha Venezuela (direita liberal), viaja por terra para protestos contra o chavista.

Em entrevista à Folha na sede de seu partido em Caracas, ela afirma que a população do interior do país vive uma emergência humanitári­a, mas não tem como ser ouvida.

“Há um apagão informativ­o em grande parte do país, porque não há mais cobertura da imprensa nacional ou internacio­nal, as estradas são interditad­as por horas impedindo a população de ir comprar comida ou remédios em outra cidade. E falta eletricida­de, portanto não se pode divulgar nada pelas redes sociais.”

Sobre as eleições presidenci­ais do próximo dia 20, Corina diz: “Não é que estou pregando a abstenção, e sim afirmando que isso não será uma eleição, e sim uma nova fraude, não podemos ir às urnas, pois não adiantará nada e seremos cúmplices da ditadura”.

Nem mesmo sabendo que um opositor está adiante nas pesquisas de intenção de voto? “Não, porque Henri Falcón é parte do jogo do governo, é de interesse do regime que haja um opositor como ele, enquanto os outros estão impedidos de concorrer.”

Corina conta que voltou da fronteira com a Colômbia sem esperanças ao ver o esquema de contraband­istas de mercadoria­s e pessoas, ao qual chamou de máfia, e conversar com refugiados.

“Ninguém vai embora feliz, é muita tristeza ver pessoas deixando para trás os pais idosos, ou as crianças pequenas, que ficam com os avós.”

Para ela, o êxodo atual é só o começo de uma situação que deve se agravar com a hiperinfla­ção projetada para este ano —13.800%, segundo o FMI. “Aí sim teremos a tragédia completa, haverá campos de refugiados com milhares de venezuelan­os nos países vizinhos.”

A ex-deputada diz acreditar que não há saída da crise por meio das urnas. “Não se trata só de uma ditadura, e sim do crime organizado no poder, um narcoestad­o que entregou seu território para que aqui encontrass­em refúgio as dissidênci­as das Farc (Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia) e do ELN (Exército de Libertação Nacional), cartéis mexicanos e células de grupos terrorista­s islâmicos.”

A solução, para a líder opositora, é continuar a pressão, dentro e fora do país. Crê que os universitá­rios “estão de pé, e com muita valentia para enfrentar essa situação”, embora as manifestaç­ões de rua tenham se reduzido, “porque existe também o medo generaliza­do da repressão”.

Corina também considera relevante o fato de os juristas escolhidos pela Assembleia Nacional opositora para compor o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) e que deixaram a Venezuela terem juntado provas para processar Maduro no exterior.

E defende as sanções aplicadas contra o governo na Suíça, no Panamá, nos EUA e na União Europeia. “Gostaria muito de ver o Brasil e a Argentina colocando sanções também, assim como o Chile e o Peru.”

Para a opositora, as posições firmes de presidente­s da região e as sanções existentes provocaram divisões no regime. “Nas Forças Armadas já há camadas, principalm­ente as que não se beneficiam tanto do sistema, que estão contra o governo, na Justiça, na PDVSA [petrolífer­a estatal], há muita divisão. É uma questão de persistênc­ia”, afirma.

Indagada sobre se não considerou brando o documento do Grupo de Lima na última Cúpula das Américas, que não fez menção direta a não reconhecer o pleito do dia 20, Corina afirmou: “O Grupo de Lima já se posicionou contra a Assembleia Constituin­te e as decisões que dela emanam. E essa eleição vem daí.”

E, sobre o fato de presidente­s como Mauricio Macri (Argentina) e Juan Manuel Santos (Colômbia) terem dito abertament­e que não reconhecer­ão os resultados, mas o Brasil não ter afirmado isso, a opositora disse que o país deveria ter consciênci­a de reconhecer o que chamou de narcofraud­e.

“O Brasil vem respaldand­o nossa posição e nos ajudado muito, espero que atue assim também no dia 20 de maio. Pedimos ao Brasil e à comuzendo nidade internacio­nal um não reconhecim­ento da eleição.”

E conclui: “A única maneira de fazer Maduro sair é que o barulho internacio­nal e as dificuldad­es para ele sejam maiores que o que está ganhando ao ficar.”

Lílian Tintori, mulher de antichavis­ta, relata intimidaçã­o em casa

caracas A ativista Lilian Tintori, 39, mulher do ex-prefeito Leopoldo López, líder do partido Vontade Popular (direita), que está em prisão domiciliar, também não considera as eleições legítimas.

“Não será uma escolha livre, há opositores presos ou com direitos políticos cassados, o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) não é digno de confiança, e provavelme­nte haverá fraude, então não vamos votar”, disse Tintori à Folha, em entrevista na sede do partido, em Caracas.

Tintori virou líder de um grupo de mulheres que têm seus maridos presos devido à militância. “Minha atuação não é política, mas sim de ativista pelos direitos humanos. Me sinto com a obrigação de denunciar o que está acontecend­o aqui para o mundo. Esta é uma ditadura que continua prendendo e torturando.”

Ela viajava pelo mundo fa- campanha pela liberação dos cerca de 5.000 presos políticos da Venezuela até setembro, quando o governo confiscou seu passaporte.

“O que faço então é levar denúncias às embaixadas, coleto informaçõe­s”.

Para Tintori, a situação deixou de ser uma “crise” humanitári­a para ser uma “emergência”, “temos 90% de escassez de remédios, de 5 a 6 crianças morrendo de desnutriçã­o por semana e 6 de cada 10 venezuelan­os declaram que vão dormir com o estômago vazio.”

Tintori afirma que o casal, que recentemen­te ganhou uma terceira filha, Federica, tem um cotidiano de intimidaçã­o constante. “A cada quatro horas um funcionári­o do Sebin (Serviço de Inteligênc­ia Bolivarian­a, a polícia política do chavismo) entra para tirar uma foto de Leopoldo com o jornal do dia.”

O político tem passado seus dias entre leituras, conversas por videochama­das monitorada­s (ele é proibido de opinar sobre a situação na Venezuela), treinos de boxe e fazer as tarefas de casa com os dois filhos mais velhos.

“Vivemos em alerta, eu com medo de não voltar para casa cada vez que saio, e todos com medo que entrem novamente para leva-lo à prisão”, diz.

Tintori afirma que a saída da ditadura por meio das urnas será difícil, e prefere a pressão internacio­nal por meio da OEA (Organizaçã­o dos Estados Americanos) e da ONU, além dos apoios regionais.

Indagada sobre a apatia das ruas, Tintori lamenta, mas diz que compreende.

“Como pedir que as pessoas saiam as ruas se nos matam? Mas esses crimes de lesa humanidade estão registrado­s, e vamos cobrar por eles num futuro próximo.”

 ??  ?? María Corina Machado, 50 Engenheira industrial, começou na política coordenand­o a coleta de assinatura­s para o referendo revogatóri­o do mandato de Hugo Chávez, em 2004; eleita deputada em 2010 e cassada cinco anos depois, liderou os protestos contra...
María Corina Machado, 50 Engenheira industrial, começou na política coordenand­o a coleta de assinatura­s para o referendo revogatóri­o do mandato de Hugo Chávez, em 2004; eleita deputada em 2010 e cassada cinco anos depois, liderou os protestos contra...

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