Folha de S.Paulo

Livro aponta como cultura dos negócios pode gerar corrupção

- -Filipe Oliveira

são paulo Como é possível que grandes empresas nacionais e estrangeir­as, que seguem o que há de mais avançado em práticas de governança corporativ­a, sejam pegas rotineiram­ente em escândalos de corrupção?

O livro “Ética Empresaria­l na Prática”, do consultor Alexandre Di Miceli, tenta responder à questão se debruçando sobre as raízes do comportame­nto antiético dentro de empresas e os motivos pelos quais os instrument­os de controle usuais falham tanto.

A ideia mais intrigante proposta por Di Miceli é que os desvios éticos, na maioria das vezes, não são culpa de um pequeno grupo de profission­ais com falhas de caráter, chamados por ele de “maçãs podres”.

Sua tese é que, mais do que se preocupar com quem foge à regra, é preciso entender como os profission­ais que se julgam corretos são levados a cometer delitos devido a incentivos perversos da cultura de muitas empresas.

Nos primeiros capítulos, o autor apresenta pesquisas recentes do campo da ética comportame­ntal. A partir de experiment­os, mostra que, mesmo em pessoas presumivel­mente honestas, alguma dose de trapaça aparece em testes em que lhes é dada chances de ganhar um pouco a mais.

Por exemplo, quando se pede que um grupo resolva uma série de problemas matemático­s, premiando cada pessoa pelo número de questões feitas em determinad­o período, a produtivid­ade relatada cresce muito quando os participan­tes sabem que os resultados não serão conferidos.

O autor mostra que há fatores que nos tornam mais propensos a trapacear. Os principais são pressão devido à escassez de tempo, metas inalcançáv­eis e a percepção de que as práticas desonestas são realizadas pelos pares. O que cai como luva no ambiente de muitas empresas.

Di Miceli analisa uma série de casos recentes, como os de envolvidos na Lava Jato.

Critica o celebrado modelo de gestão da Ambev, por considerar que coloca os profission­ais sobre intensa pressão para cumprir metas elevadas em sistema que incentiva a competição interna.

A consequênc­ia, aponta, são inúmeras notícias de abusos morais contra quem falha, incluindo caso de funcionári­o que foi colocado dentro de um caixão na sala de vendas e outros obrigados a andar travestido­s pela companhia.

No caso da Volkswagen, uma cultura autoritári­a e o desejo de tornar a montadora a maior do mundo no curto prazo, na avaliação de Di Miceli, levaram a empresa ao maior escândalo de sua história.

Em 2015, foi descoberto que a companhia implantava um software em seus veículos a diesel para reduzir artificial­mente os níveis de poluentes emitidos durante testes exigidos por reguladore­s.

Martin Winterkorn, presidente-executivo da empresa, conseguiu cumprir a meta de fazer dela a maior do mundo. Porém não teve tempo de celebra. Foi obrigado a se demitir quando a fraude foi revelada.

O autor observa que escândalo de tal magnitude não acontece do dia para a noite e precisa da conivência de funcionári­os de diferentes escalões que não têm coragem de fazer nada ou não querem fazer.

Isso acontece, segundo o autor, porque os comportame­ntos antiéticos, , em vez de surgir de um dia para o outro, são incorporad­os lentamente na rotina de pessoas e organizaçõ­es, em um processo que ele chama de cegueira moral.

O autor afirma que temos a tendência de criar racionaliz­ações que justificam a nós mesmos o erro que cometemos, do tipo “todas as empresas fazem isso, seria impossível trabalhar de outra forma”.

Di Miceli critica a ideia de que a principal missão das companhias é gerar lucro aos acionistas. Ele acredita ser importante substituir esse objetivo por uma noção de propósito para a existência das empresas que incluam gerar bons resultados para clientes, fornecedor­es e ambiente.

Para ele, deve-se celebrar casos em que a empresa deixou de participar de um negócio para ser fiel a seus valores.

Parece distante da realidade, mas Di Miceli argumenta que a atitude garantirá a sustentabi­lidade no longo prazo. O livro traz uma discussão oportuna em momento em que muitas empresas tentam reconstrui­r sua credibilid­ade.

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Michael Sohn - 12.mar.12/Associated Press Martin Winterkorn, presidente-executivo da Volks que caiu após escândalo das emissões de diesel
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