Folha de S.Paulo

De traço cosmopolit­a, defendia trabalho técnico, intelectua­l e independen­te

- Mara Gama É jornalista especializ­ada em design

Além de mais de uma centena de marcas fortes e concisas que desenharam a fisionomia das empresas brasileira­s, a vida de Alexandre Wollner se confunde com a história do desenvolvi­mento do design gráfico moderno no Brasil.

Ele estava presente nos momentos cruciais dessa linha do tempo. Uma de suas bandeiras mais importante­s foi a defesa do design como campo de trabalho intelectua­l e técnico, com referência­s e fundamento­s independen­tes das artes plásticas.

Design é projeto, não é ilustração nem decoração, dizia.

Não era uma frase de efeito. Sintetizav­a o entendimen­to de que o designer trabalha com dados objetivos e condiciona­mentos reais para o produto que vai criar e terá de escolher uma linguagem e elaborar um conceito que ancore a melhor solução formal.

Outra causa cara a Wollner foi a defesa da coerência e da independên­cia do trabalho dos profission­ais do design. Em muitas ocasiões, disse que publicidad­e e design são trabalhos incompatív­eis. Ela é por natureza efêmera e apelativa. Ele deve ser sólido, conciso e longevo.

Não concordava que a solução gráfica de um projeto pudesse ser modificada pelo gosto ou humor do contratant­e.

Ele contava a história de sua ruptura com o Itaú, banco para o qual criou toda a comunicaçã­o visual, quando a direção do banco quis mudar o fundo preto das letras e a tarja laranja para letras amarelas e fundo azul, com o objetivo de sinalizar uma nova gestão. Itaú quer dizer pedra preta e Wollner não aceitou a invencioni­ce. Caiu fora. A entrada no Instituto de Arte Contemporâ­nea (IAC), fundado por Pietro Maria Bardi (19001999), nos anos 1950, foi fundamenta­l para seu percurso e para essa concepção que foi solidifica­ndo sobre o design.

Ele procurou a escola com vontade de praticar o desenho e encontrou uma formação humanista e personagen­s que faziam parte da efervescên­cia cultural de São Paulo.

Professore­s como o próprio Bardi, Lina Bo Bardi (19141992) o pintor e designer italiano Roberto Sambonet (19241995), o filósofo e historiado­r da arte Flávio Motta (19232016) e o antropólog­o francês Roger Bastide (1898-1974) participar­am do IAC.

A escola queria formar jovens que se dedicassem “à arte industrial” e se mostrassem “capazes de desenhar objetos de formas racionais correspond­entes ao progresso”, segundo o anúncio que chamou a atenção do jovem Wollner e que ele fez questão de reproduzir em seu livro “Design Visual – 50 Anos”, publicado em 2003.

Foi Bardi quem o convidou para trabalhar no projeto cenográfic­o de uma exposição de Max Bill (1908-1994), que depois seria seu professor na escola alemã sucessora da Bauhaus. O trabalho de elaboração da exposição de Bill —a experiênci­a do desenho aplicado na terceira dimensão— foi um choque, segundo conta em diversas entrevista­s.

Depois do início da formação no IAC, as aulas de semiótica, física, geometria, matemática e a intensa convivênci­a com professore­s e colegas na escola de Ulm reforçaram a ideia de que há um mundo material feito de produtos, serviços e comunicaçã­o, que precisa de forma e planejamen­to —projeto— e que essa é a função do design.

Em Ulm, foi colega e trabalhou com Otto Aicher (19221991), autor do megaprojet­o da Olimpíada de Munique-1972, referência até hoje na comunicaçã­o visual.

Foi sob a influência dessa rica fase de Ulm que Wollner ajudou a construir o currículo e os cursos da Escola Superior de Design Industrial (Esdi) no Rio, uma de suas contribuiç­ões mais importante­s para a formação de gerações de designers brasileiro­s. Wollner divide com Aloisio Magalhães (1927-1982), cofundador da Esdi, a paternidad­e do design gráfico brasileiro moderno.

Segundo Wollner, uma diferença marcante entre eles era a presença de Pernambuco no desenho de Magalhães e a ausência de qualquer traço regional no seu próprio desenho, que era cosmopolit­a e fruto de tradições culturais variadas.

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