Folha de S.Paulo

Gasto com aluguel pressiona déficit habitacion­al

- -Anaïs Fernandes

são paulo Mais de 3 milhões de famílias brasileira­s comprometi­am valor superior a 30% do seu orçamento com aluguel da moradia em 2015, alta de quase 80% em relação a 2007, início da série histórica da Fundação João Pinheiro. Em 2007, cerca de 1,7 milhão de famílias estava nessa situação, chamada de ônus excessivo com aluguel, que considera moradores de áreas urbanas com renda familiar de até três salários mínimos.

O alto custo do aluguel é um dos principais fatores elencados por movimentos de semteto para invasões de prédios, às vezes em condições precárias, como as do que desabou nesta semana no centro de SP. A Fundação João Pinheiro é responsáve­l pelo cálculo oficial do déficit habitacion­al no Brasil, a partir de microdados da Pnad (pesquisa nacional de domicílios do IBGE). O déficit mede a deficiênci­a no estoque de moradias, englobando, além dos casos de ônus excessivo com aluguel, casas que precisam ser trocadas porque estão em estado precário e as novas unidades que deveriam existir para evitar coabitação familiar e adensament­o excessivo de moradores em imóveis alugados. Em 2007, ele era de 10,4%, somando 5,8 milhões de domicílios, sendo que 42% do déficit era composto pela coabitação familiar e 30% pelo ônus excessivo com aluguel. O percentual da coabitação familiar caiu para 30% em 2015 —último ano com dados já calculados oficialmen­te. O ônus excessivo com aluguel, por outro lado, passou a representa­r metade do déficit habitacion­al no país. Segundo Luiza Souza, pesqui- sadora da fundação, além do custo da moradia ter aumentado no período, a crise no Brasil levou à corrosão do poder de compra dos moradores e apertou as finanças do lar. “O problema econômico fez com que o aluguel ganhasse um peso grande nos últimos tempos, principalm­ente nas regiões metropolit­anas, onde o custo da moradia é alto”, diz. Na região metropolit­ana de São Paulo, por exemplo, o ônus excessivo com aluguel representa­va 58% do déficit habitacion­al da região em 2015. Para Ana Castelo, coordenado­ra de Estudos da Construção Civil do FGV Ibre, a questão está ligada também à dificuldad­e de se construir habitação de interesse social nos grandes centros urbanos. “O programa Minha Casa, Minha Vida foi lançado em 2009 e desde então vemos a clara tendência de redução na habitação precária, categoria que inclui tanto imóveis em zona urbana quanto rural. Isso não acontece para o ônus com aluguel, o que se deve muito ao preço e à disponibil­idade da terra nas grandes cidades.” Em 2007, quase 1,3 milhão de famílias no Brasil moravam em uma habitação considerad­a precária, montante que foi para 942,6 mil em 2015. O custo do financiame­nto imobiliári­o também é um inibidor para a saída do aluguel. Novos indicadore­s da Fipe mostram que, em 2015, uma família de renda média precisaria de 14 anos para comprar um imóvel de 70 m² e compromete­ria 37% da renda. O déficit habitacion­al brasileiro relativo subiu ligeiramen­te em 2015, para 9,3%, ante 9% em 2014 e 2013, atingindo 6,35 milhões de domicílios. E especialis­tas estimam que pode ter havido novo aumento nos últimos dois anos. “Em 2016, o setor da construção estava no auge da sua crise e foi uma época ruim em termos de contrataçã­o dos programas sociais. Existe um contexto apontando que o mais provável é que o déficit tenha aumentado”, diz Castelo. Para Ciro Pirondi, diretor da Escola da Cidade, o combate ao déficit habitacion­al requer uma visão de política pública ampla. “Construímo­s nossas cidades a partir de parâmetros equivocado­s. A exploração da cidade se dá em cima de política econômica somente. Mas existe toda uma infraestru­tura que caracteriz­a a habitação, como escolas, hospitais, lazer e uma política de mobilidade também.” Segundo Pirondi, a solução do déficit passa pela ocupação de espaços já existentes em zonas centrais urbanas. “Em São Paulo são mais de 400 mil m² vazios no centro expandido, com toda a infraestru­tura, só que não usamos.”

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