Folha de S.Paulo

Desabrigad­os, voluntário­s e curiosos dividem praça palco de desastre em SP

Perto de onde edifício desabou, largo do Paissandu reúne gente de todo lugar, cozinha improvisad­a e doações

- -Angela Pinho

são paulo São 10h30 de sexta-feira (4) no largo do Paissandu, centro de São Paulo. Vestido com uma camisa estampada de bandeiras do Brasil, Antônio da Paz, 62, serve água e café na aglomeraçã­o que se formou no local desde o desabament­o no edifício Wilton Paes de Almeida, na última terça-feira (1º).

Não é sua primeira participaç­ão em um evento de repercussã­o nacional. No mês passado, ele foi um dos voluntário­s na limpeza do Pateo do Collegio, no centro, que teve o muro pichado.

Há dez anos, foi ao enterro da adolescent­e Eloá Pimentel, que ele não conhecia, morta pelo ex-namorado após ser feita refém no ABC paulista.

Sempre para ajudar e mostrar solidaried­ade, diz ele.

Indagado se integra alguma entidade filantrópi­ca ou religiosa, responde que não. “Minha entidade sou eu mesmo.” Saído de Guaianases, no extremo leste, por conta própria, Antônio é um exemplo do público diverso que se formou no local desde a tragédia.

O aglomerado inclui desabrigad­os do prédio que desabou, outros sem-teto e moradores de rua em busca de doações, voluntário­s, religiosos, assistente­s sociais, policiais militares e guardas-civis, bombeiros e muitos curiosos.

Segundo a gestão Bruno Covas (PSDB), os moradores do Wilton Paes de Almeida que não conseguira­m ficar na casa de parentes foram encaminhad­os a abrigos. Eles receberão uma verba para pagar aluguel. Nem todos, porém, aceitam essa opção, e resolvem ficar no largo.

Fabiana Ribeiro da Silva, 38, é uma delas. Ela escapou com marido, filha e neta do incêndio e conta que chegou a fazer um cadastro em um albergue, mas preferiu ficar em uma barraca por ali.

“O banheiro era um horror, o do bar aqui do lado é melhor. E tinha um monte de ‘noia’”, diz. “Melhor ficar aqui, vai que aparece alguém para levar a gente para um lugar melhor?”

Mesma esperança, mas não muita, tem Jessica dos Santos. Aos 19 anos, ela também está em uma barraca no largo, com a filha de dois meses de idade. São 13h, e ela dobra roupas e fraldas doadas para a garota para colocar em uma maleta.

Jessica afirma que morava no quarto andar do edifício, mas não estava no local no dia do cadastro e, por isso, não vai receber a ajuda para aluguel da prefeitura. Ela é vendedora de água na rua, e seu marido fazia bicos de pedreiro e segurança, mas está desemprega­do.

São 14h. Não há música ambiente, mas uma mulher ensaia passos de funk. “Eu quero 1 milhão de dólares”, grita. Da onde você veio?, perguntam? “Do céu”, ela responde.

Do lado de dentro do gradil instalado perto da igreja, onde estão as barracas de desabrigad­os, o almoço continua a ser servido.

Organizado por voluntário­s, ele é preparado com as comidas no local e em restaurant­es da região do centro e de Santa Cecília. Tem arroz, feijão, carne e farofa. Quentinhas chegam de outra parte. De sobremesa, há banana e abacaxi.

Parte dos moradores do prédio desabado se queixa de pessoas de outros lugares na fila. Mas há comida para todos, feita na hora ou não perecível, para quem quiser levar para casa.

Moradora da ocupação que pegou fogo, Marli da Silva, 48, não veio atrás de comida. Já abrigada na casa de uma amiga, ela conta que está atrás de fraldas para o sobrinho.

Provavelme­nte, acabará encontrand­o. Quatro dias após a tragédia, as doações

Antonio da Paz, 62 voluntário no largo do Paissandu que também participou da limpeza do Pateo do Collegio

no largo do Paissandu vão de roupas e alimentos a balas e brinquedos. Vinda de outro prédio, uma mulher conseguiu achar um cavaquinho de plástico para o neto.

Os voluntário­s se dividem em ao menos três perfis. De um lado, os que chegam ao local como grupos organizado­s já com suas tarefas determinad­as —caso dos que preparam as refeições, por exemplo. Há também os que se juntam aos grupos por conta própria, como Antônio. Por fim, os que estão de passagem pelo local e resolvem dar uma ajuda.

São 15h33, uma nuvem de cinzas dos escombros se alastra pelo local. A garganta fica seca, e máscaras são distribuíd­as. Dois jovens de barba e camisa xadrez passam com uma caixa de esfihas e tentam deixar com voluntário­s.

Mais perto dos escombros, onde mais cedo o primeiro corpo de uma vítima da tragédia foi encontrado, bombeiros comem macarrão instantâne­o. Em turnos de 12 horas, eles ainda devem ficar no local pelo menos mais duas semanas, estima o comandante da operação.

No largo, a tarde cai, e o fluxo de curiosos diminui. A permanênci­a das barracas e voluntário­s que preparam o jantar mostra que a aglomeraçã­o que se formou por ali deve acompanhar os trabalhos.

Minha entidade sou eu mesmo

 ?? Fotos Danilo Verpa/Folhapress ?? Acampament­o de sem-teto junto a doações deixadas no largo do Paissandu, no centro de São Paulo, próximo ao local onde prédio desabou
Fotos Danilo Verpa/Folhapress Acampament­o de sem-teto junto a doações deixadas no largo do Paissandu, no centro de São Paulo, próximo ao local onde prédio desabou
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil