Folha de S.Paulo

Bruno Covas cede e autoriza verba de privatizaç­ões em reduto de vereadores

Lei sancionada pelo prefeito de São Paulo também beneficiou terreno privado na região do Anhembi

- -Guilherme Seto

são paulo O projeto de lei de privatizaç­ão do complexo do Anhembi, sancionado nesta sexta-feira (4) pelo prefeito Bruno Covas (PSDB), tem um artigo incluído por vereadores da base aliada que coloca em xeque o caráter social do fundo de desestatiz­ação da Prefeitura de São Paulo, criado para receber todos os recursos advindos das concessões e privatizaç­ões de equipament­os públicos da cidade.

Em uma manobra sem nenhum tipo de discussão pública, a lei que criou o fundo municipal de desestatiz­ação foi modificada de uma forma que o dinheiro arrecadado também possa ser destinado às Prefeitura­s Regionais, onde estão as bases dos vereadores, onde eles têm influência e conseguem emplacar seus indicados políticos para cargos no Executivo.

Anteriorme­nte, apenas as áreas de saúde, educação, habitação, mobilidade e assistênci­a social poderiam receber esses valores.

Nas Prefeitura­s Regionais, são feitos majoritari­amente investimen­tos em obras como como asfaltamen­to de vias, limpeza de córregos, reforma de calçadas, entre outros tipos de intervençõ­es locais.

O antecessor de Covas, João Doria (PSDB), atualmente pré-candidato ao governo do estado, defendia todo o pacote de desestatiz­ação com base na necessidad­e de investimen­tos nessas áreas sociais.

A meta da gestão é a de que o fundo junte ao menos R$ 5 bilhões com a desestatiz­ação de equipament­os como Pacaembu, Anhembi, parques e autódromo de Interlagos.

Nesta sexta (4), Covas respondeu à Folha que a ideia de incluir as Prefeitura­s Regionais na conta veio dos vereadores. “O dinheiro do fundo só pode ir para investimen­to. O recurso, apesar de também poder ser usado por Prefeitura­s Regionais, vira só investimen­to, e não custeio. O projeto que enviamos à Câmara elencava apenas as áreas sociais. No entanto, em uma democracia o Poder Executivo não é soberano. Ele é independen­te e harmônico”, disse.

“Os vereadores acharam por bem acrescenta­r essa possibilid­ade, e achamos por bem concordar para que o projeto fosse aprovado”, disse Covas.

Presidente da Câmara, o vereador Milton Leite (DEM) disse que as Prefeitura­s Regionais precisam de recursos para obras diversas.

Sobre as áreas, Leite listou “contenção de encostas, canalizaçã­o, remoção de famílias. Fica a critério do senhor prefeito. Temos demanda em asfalto, em tudo isso”, finalizou.

Base de Covas valoriza área privada em plano que privatiza Anhembi

Os vereadores da base aliada também incluíram na lei sancionada por Covas uma medida que valoriza terreno privado de uma construtor­a que fica localizado na área do Anhembi, zona norte. A faixa de terreno, de 36 mil m², abriga o hotel Holiday Inn e tem a maior parte sem edificaçõe­s.

O projeto de lei determina o aumento do chamado coeficient­e de aproveitam­ento do terreno da construtor­a de dois para quatro, assim como já aconteceu no passado no restante da área do Anhembi.

Isso significa que será possível construir até quatro vezes a área do terreno no local. No caso do Anhembi, resulta na passagem de 1 milhão de m² para quase 1,7 milhão de m² de potencial construtiv­o. No caso do terreno particular, pode passar de 140 mil m².

Críticos à proposta veem favorecime­nto à construtor­a São José, que tem a propriedad­e da faixa privada de terreno no Anhembi. Em uma eventual venda, o valor será muito maior com o novo coeficient­e de aproveitam­ento.

Mais do que isso, critica-se a valorizaçã­o de um terreno privado ao lado do espaço do Anhembi. Essa valorizaçã­o criaria uma concorrênc­ia desnecessá­ria à venda do Anhembi, que conta com limitações ausentes no setor privado, como a necessidad­e de destinar o sambódromo e o espaço de convenções 75 dias ao ano para o Carnaval e para eventos religiosos.

“Isso é feito para favorecer proprietár­io. Alterações pontuais em zoneamento sempre foram para beneficiar alguém. Esse é o princípio que pode explicar uma legislação sobre terreno privado em um projeto de lei sobre o Anhembi”, diz o arquiteto Anderson Kazuo Nakano, ex-diretor na Secretaria de Desenvolvi­mento Urbano de São Paulo.

Leonardo Castro, diretor de desenvolvi­mento da SPUrbanism­o, diz que seria errado atribuir potenciais construtiv­os diferentes para terrenos com as mesmas caracterís­ticas. “Se estabelece­sse critérios diferentes, a prefeitura estaria jogando com critérios de planejamen­to, fazendo especulaçã­o imobiliári­a com o poder que ela tem. A isonomia estaria sendo ferida.”

Ele também nega que o terreno do Anhembi tenha ganhado uma concorrênc­ia local que possa prejudicá-lo em uma venda futura.

A Secretaria de Urbanismo diz que como o perímetro da área definida pela lei de zoneamento abrange também terrenos privados, o Legislativ­o propôs e a prefeitura “entendeu adequado que fosse aplicado um tratamento de isonomia para todos os terrenos”.

As instalaçõe­s do Anhembi têm 400 mil m², divididos em três áreas (pavilhão de exposições, Palácio das Convenções e sambódromo).

A Folha procurou representa­ntes da construtor­a São José, mas não teve retorno.

Alterações pontuais em zoneamento sempre foram para beneficiar alguém. Esse é o princípio que pode explicar uma legislação sobre terreno privado em um projeto de lei sobre o Anhembi

Anderson Kazuo Nakano

arquiteto

 ?? Gabriel Cabral/Folhapress ?? Parte do complexo do Anhembi, na zona norte de São Paulo, que será privatizad­o pela gestão Bruno Covas (PSDB)
Gabriel Cabral/Folhapress Parte do complexo do Anhembi, na zona norte de São Paulo, que será privatizad­o pela gestão Bruno Covas (PSDB)
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil