Bruno Covas cede e autoriza verba de privatizações em reduto de vereadores
Lei sancionada pelo prefeito de São Paulo também beneficiou terreno privado na região do Anhembi
são paulo O projeto de lei de privatização do complexo do Anhembi, sancionado nesta sexta-feira (4) pelo prefeito Bruno Covas (PSDB), tem um artigo incluído por vereadores da base aliada que coloca em xeque o caráter social do fundo de desestatização da Prefeitura de São Paulo, criado para receber todos os recursos advindos das concessões e privatizações de equipamentos públicos da cidade.
Em uma manobra sem nenhum tipo de discussão pública, a lei que criou o fundo municipal de desestatização foi modificada de uma forma que o dinheiro arrecadado também possa ser destinado às Prefeituras Regionais, onde estão as bases dos vereadores, onde eles têm influência e conseguem emplacar seus indicados políticos para cargos no Executivo.
Anteriormente, apenas as áreas de saúde, educação, habitação, mobilidade e assistência social poderiam receber esses valores.
Nas Prefeituras Regionais, são feitos majoritariamente investimentos em obras como como asfaltamento de vias, limpeza de córregos, reforma de calçadas, entre outros tipos de intervenções locais.
O antecessor de Covas, João Doria (PSDB), atualmente pré-candidato ao governo do estado, defendia todo o pacote de desestatização com base na necessidade de investimentos nessas áreas sociais.
A meta da gestão é a de que o fundo junte ao menos R$ 5 bilhões com a desestatização de equipamentos como Pacaembu, Anhembi, parques e autódromo de Interlagos.
Nesta sexta (4), Covas respondeu à Folha que a ideia de incluir as Prefeituras Regionais na conta veio dos vereadores. “O dinheiro do fundo só pode ir para investimento. O recurso, apesar de também poder ser usado por Prefeituras Regionais, vira só investimento, e não custeio. O projeto que enviamos à Câmara elencava apenas as áreas sociais. No entanto, em uma democracia o Poder Executivo não é soberano. Ele é independente e harmônico”, disse.
“Os vereadores acharam por bem acrescentar essa possibilidade, e achamos por bem concordar para que o projeto fosse aprovado”, disse Covas.
Presidente da Câmara, o vereador Milton Leite (DEM) disse que as Prefeituras Regionais precisam de recursos para obras diversas.
Sobre as áreas, Leite listou “contenção de encostas, canalização, remoção de famílias. Fica a critério do senhor prefeito. Temos demanda em asfalto, em tudo isso”, finalizou.
Base de Covas valoriza área privada em plano que privatiza Anhembi
Os vereadores da base aliada também incluíram na lei sancionada por Covas uma medida que valoriza terreno privado de uma construtora que fica localizado na área do Anhembi, zona norte. A faixa de terreno, de 36 mil m², abriga o hotel Holiday Inn e tem a maior parte sem edificações.
O projeto de lei determina o aumento do chamado coeficiente de aproveitamento do terreno da construtora de dois para quatro, assim como já aconteceu no passado no restante da área do Anhembi.
Isso significa que será possível construir até quatro vezes a área do terreno no local. No caso do Anhembi, resulta na passagem de 1 milhão de m² para quase 1,7 milhão de m² de potencial construtivo. No caso do terreno particular, pode passar de 140 mil m².
Críticos à proposta veem favorecimento à construtora São José, que tem a propriedade da faixa privada de terreno no Anhembi. Em uma eventual venda, o valor será muito maior com o novo coeficiente de aproveitamento.
Mais do que isso, critica-se a valorização de um terreno privado ao lado do espaço do Anhembi. Essa valorização criaria uma concorrência desnecessária à venda do Anhembi, que conta com limitações ausentes no setor privado, como a necessidade de destinar o sambódromo e o espaço de convenções 75 dias ao ano para o Carnaval e para eventos religiosos.
“Isso é feito para favorecer proprietário. Alterações pontuais em zoneamento sempre foram para beneficiar alguém. Esse é o princípio que pode explicar uma legislação sobre terreno privado em um projeto de lei sobre o Anhembi”, diz o arquiteto Anderson Kazuo Nakano, ex-diretor na Secretaria de Desenvolvimento Urbano de São Paulo.
Leonardo Castro, diretor de desenvolvimento da SPUrbanismo, diz que seria errado atribuir potenciais construtivos diferentes para terrenos com as mesmas características. “Se estabelecesse critérios diferentes, a prefeitura estaria jogando com critérios de planejamento, fazendo especulação imobiliária com o poder que ela tem. A isonomia estaria sendo ferida.”
Ele também nega que o terreno do Anhembi tenha ganhado uma concorrência local que possa prejudicá-lo em uma venda futura.
A Secretaria de Urbanismo diz que como o perímetro da área definida pela lei de zoneamento abrange também terrenos privados, o Legislativo propôs e a prefeitura “entendeu adequado que fosse aplicado um tratamento de isonomia para todos os terrenos”.
As instalações do Anhembi têm 400 mil m², divididos em três áreas (pavilhão de exposições, Palácio das Convenções e sambódromo).
A Folha procurou representantes da construtora São José, mas não teve retorno.
Alterações pontuais em zoneamento sempre foram para beneficiar alguém. Esse é o princípio que pode explicar uma legislação sobre terreno privado em um projeto de lei sobre o Anhembi
Anderson Kazuo Nakano
arquiteto