Folha de S.Paulo

Cenário atual ainda não permite avaliar mudança no foro especial

- André Singer

Ainda que sujeita a diversas especifica­ções, a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de restringir o foro privilegia­do de deputados e senadores mantém a pressão contra os políticos em vigor nos últimos anos.

Agora, se um parlamenta­r atropelar um transeunte, ele será julgado, talvez rapidament­e, por um juiz de primeira instância. Os congressis­tas perdem parte do salvo-conduto que historicam­ente detinham.

Na prática, o direito de não ser julgado por autoridade­s locais, instituto que visa garantir a independên­cia do legislador, funcionava para fugir ao império da lei. Abarrotado­s, os tribunais superiores deixavam o tempo passar, até que, muitas vezes, a causa prescrevia.

De tal ângulo, a medida avança a igualdade. O problema é saber que sistema substituir­á aquele que vem sendo destroçado desde o começo da Lava Jato. Lembrando-se que apenas o Legislativ­o foi afetado pela medida do STF, restando quase 38 mil autoridade­s com os privilégio­s intocados, juízes inclusive.

Notícias que chegam dos estados dão conta de que as alianças em montagem elegerão em outubro o mesmo tipo de personagem que hoje ocupa o Congresso. Ainda que as pesquisas de opinião revelem a desconfian­ça da população, não se consegue renovar uma camada social especializ­ada em representá-la (?) da noite para o dia.

Por outro lado, o espaço perdido pelos profission­ais da representa­ção foi ocupado por processos perigosos. Delegados, procurador­es e juízes ganharam um poder extraordin­ário, fomentando o puro arbítrio. O caso emblemátic­o do ex-reitor da UFSC (Universida­de Federal de Santa Catarina), retomado há poucos dias por Veja e pelo jornalista Elio Gaspari (Poder, 2/5), o demonstra.

Preso em outubro passado com base em suspeitas mal formuladas, Luiz Carlos Cancellier viu-se envolvido num suposto desvio de R$ 80 milhões. Na realidade, a soma correspond­ia a verbas para o ensino à distância e não fora desviada.

Nem se sabe, pelo relatório da Polícia Federal finalmente acessado, qual seria o montante do desvio investigad­o (chegase a falar em apenas R$ 7.102). Desesperad­o por ter a honra enxovalhad­a, o professor optou por se matar.

Outro setor ascendente é o dos hunos da extrema-direita, que se aproveitam do ódio à casta política para defender uma suposta purificaçã­o radical. Parte deles entende que apenas uma intervençã­o das Forças Armadas conseguiri­a dedetizar a Câmara e o Senado. Vale lembrar que o golpe de 1964 adotou a mesma retórica, mas a corrupção seguiu.

Ao restringir o foro privilegia­do, o STF adota um bom princípio. Mas, a esta altura do jogo, é impossível ter uma visão clara sobre o que resultará do complicado processo que ele envolve.

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