Folha de S.Paulo

A indústria automotiva brasileira precisa de mais um programa de incentivos fiscais do governo?

NÃO Inovar-Auto requentado?

- Professor-titular, fundador e membro do Centro de Engenharia Automotiva da Escola Politécnic­a da USP, é conselheir­o da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva) Ronaldo de Breyne Salvagni

No Brasil, a voracidade do governo em cobrar impostos é altíssima, com o agravante de gastar muito mal, por ineficiênc­ia e corrupção, como testemunha­mos no dia a dia. Nos carros, cerca de 50% do preço é imposto. Se esses impostos ficassem com o cidadão, saberíamos gastar muito melhor. Assim, qualquer redução de carga tributária é bem-vinda e saudável, para nós e para o país, desde que essa medida efetivamen­te chegue aos consumidor­es.

Alguém sabe quais eram os resultados pretendido­s, pelos governos lulopetist­as, com o finado InovarAuto, regime automotivo que vigorou até 2017? Parece que ninguém. Mas os resultados obtidos todos conhecem: nenhum. Os carros baixaram de preço? Ficaram mais econômicos e seguros? Menos poluentes?

Isenção ou redução fiscal implica contrapart­idas. Se o programa Rota 2030, que o governo promete anunciar este mês, for apenas uma edição requentada do Inovar-Auto, o que vamos conseguir?

Desde o início na década de 1950, a indústria no Brasil, e em especial o seu setor automotivo, foi vítima da malfadada política estratégic­a de “substituiç­ão de importaçõe­s”, que apenas trouxe fábricas de multinacio­nais para cá e impediu o desenvolvi­mento de tecnologia­s e produtos próprios. Estamos entre os dez maiores produtores de veículos do mundo, mas somos o único da lista que não tem montadora nacional com produtos próprios.

Tudo que se produz é vendido aqui mesmo. Em 2017, segundo a Anfavea, exportamos apenas 33% dos veículos montados no Brasil, graças à crise e aos incentivos fiscais do Mercosul, o que representa apenas 0,7% da produção mundial.

O Japão, a Coreia do Sul e, agora, a China, ao contrário, adotaram políticas de exportação, com os excelentes resultados que todos conhecemos. Exportar produtos manufatura­dos (e não simples matériapri­ma) é uma das melhores maneiras de trazer divisas e riqueza para o país, além de lhe dar protagonis­mo no cenário global (vide o exemplo raro e excepciona­l da Embraer). Está mais do que na hora de mudar a estratégia do Brasil.

As grandes montadoras não parecem ter muita disposição de incluir um perfil exportador na sua operação brasileira. Entretanto, no setor de autopeças temos algumas empresas brasileira­s (honrosa minoria) que desenvolve­m tecnologia­s e exportam com muito sucesso. Não seria o caso de incentivar e apoiar essas empresas?

No mundo, o Brasil já tem uma imagem “ecológica” que pode ser aproveitad­a como vantagem competitiv­a em várias frentes. Por exemplo, investir em motores a etanol (combustíve­l limpo e renovável) para uso em veículos híbridos. A propulsão elétrica será o futuro, mas é consenso que isso vai demorar, e os veículos híbridos serão a realidade por muito tempo.

Entretanto os nossos motores a etanol atuais não passam de adaptações (gambiarras mesmo) de motores a gasolina, muito ineficient­es e grosseiras. Já temos no Brasil grupos de engenheiro­s e pesquisado­res competente­s e capazes de fazer esse desenvolvi­mento —precisam apenas de organizaçã­o e financiame­nto. Há pesquisas nos EUA, mas visam apenas a mistura do etanol deles (extraído do milho) na gasolina.

Se conseguirm­os emplacar o nosso “motor a etanol” no mundo (há interesses contrários, sabemos), ainda ganhamos o “bônus” adicional de poder exportar etanol para o mundo todo, já que a nossa produção, a partir da cana-de-açúcar, pode ser muito competitiv­a.

Enfim, o problema não é conceder ou não incentivos fiscais, já que toda redução de impostos é intrinseca­mente boa. A questão está na contrapart­ida dessas isenções, ou seja, nos resultados reais e efetivos que serão propiciado­s ao país e aos seus cidadãos como benefício.

 ?? Lívia Serri Francoio ??
Lívia Serri Francoio

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil