Folha de S.Paulo

Tango cambial

-

A Argentina lida outra vez com um tradiciona­l fantasma econômico: o temor de uma escassez de divisas estrangeir­as das quais dependem o governo e o setor privado.

Não é que o país vizinho se veja na iminência de enfrentar tal problema. Entretanto o estresse de autoridade­s e investidor­es pode ser sentido na rápida desvaloriz­ação do peso ante ao dólar, que forçou o banco central a promover um aumento brutal dos juros, de 27,25% para 40% ao ano.

As moedas dos emergentes têm se desvaloriz­ado, e o real brasileiro não constitui exceção. Na Argentina, peculiarid­ades de hoje e de ontem acentuam o processo.

O déficit nas transações de bens e serviços com o exterior a 4,8% do Produto Interno Bruto ao final de 2017, o maior patamar em vinte anos (cifras acima de 3% tendem a ser considerad­as altas).

Também elevado é o rombo orçamentár­io do governo, do qual cerca de dois terços são financiado­s por meio de endividame­nto externo —isso desde a chegada de Maurício Macri ao poder, no final de 2016; antes disso, o país estava praticamen­te fora do mercado financeiro mundial.

Até o início deste ano, os recursos estrangeir­os eram abundantes e relativame­nte baratos. Mas tensões globais, como o risco de alta mais acelerada de taxas de juros nos Estados Unidos, criaram dúvidas acerca dos ajustes econômicos promovidos por Macri.

A despeito de reformas, incluindo a da Previdênci­a Social, o déficit das contas públicas não caiu o bastante. A inflação baixou de elevadíssi­mos 40%, em 2016, para ainda muito altos 25% em 2017 —e a desvaloriz­ação do peso deve dificultar o processo de queda neste ano.

A situação se torna mais difícil devido ao velho costume dos argentinos, escaldados por tantas crises, de manter parte importante de sua poupança em moeda estrangeir­a. Nos momentos de incerteza, essa inclinação torna mais agudas as altas do dólar.

A taxa de juros brutal talvez contenha a desvaloriz­ação do peso, mas pode limitar o cresciment­o da economia, que foi de 2,9% no ano passado e, estimava-se, poderia atingir taxa semelhante neste 2018.

Por sua vez, o enfraqueci­mento da atividade tende a prejudicar a arrecadaçã­o e dificultar a redução do déficit público. Existe, pois, o risco de que um círculo vicioso comece a se formar no país vizinho.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil