Folha de S.Paulo

7 dias em Entebbe

A Operação Thunderbol­t mostrou que Israel tem capacidade operaciona­l global

- Luiz Felipe Pondé Filósofo e ensaísta, autor de “Dez Mandamento­s (+Um)” e “Marketing Existencia­l” DS QQSS Cristovão Tezza, Drauzio Varella | Luiz Felipe Pondé | | Marcelo Coelho | Contardo Calligaris | Vladimir Safatle | Mario Sergio Conti ponde.folha@uol

Lembro-me bem de que na época em que se falava em primavera árabe, na virada de 2010 pra 2011, um “especialis­ta” escreveu nalgum lugar que Tel Aviv era um resto da Guerra Fria e que, portanto, estava condenada à extinção na era Obama e da primavera árabe.

Afora o fato de que todos os intelectua­is que tiveram orgasmos com a falsa primavera árabe deveriam agora escrever artigos dizendo o quão risíveis

T foram ao escrever à época aqueles textos equivocado­s, a realidade é que a tal primavera árabe deu no Estado Islâmico, na guerra da Síria, numa ditadura ainda pior no Egito e na destruição da Líbia.

Erraram feio. Não só a primavera árabe foi uma revolução fake como Tel Aviv está mais forte do que nunca, mais rica (um dos maiores lugares para start-ups no mundo), mais bonita, mais viva culturalme­nte, mais militarmen­te preparada.

Quanto à Guerra Fria, ela acaba de recomeçar. Rússia, China e EUA estão em claro processo de tensão geopolític­a com a escalada agressiva da relação entre indústria militar, inteligênc­ia artificial (algoritmos), mídias sociais e espionagem.

Esquecem muitos desses especialis­tas que “Guerra Fria” foi o nome específico para um fenômeno clássico em geopolític­a que é a “paz armada” entre

João Pereira Coutinho estados em competição por poder político e econômico.

Por que muitos intelectua­is erram tanto em entender o mundo? Afora vaidades, muitos de nós sofrem da síndrome hegeliano-marxista de achar que o mundo segue uma ordem. Não. O mundo não está indo pra lugar nenhum.

Falta a muitos de nós a humildade diante da contingênc­ia, a imaginação da contingênc­ia. E, por isso mesmo, não percebemos que o mundo não tem nenhum sentido em especial em seus processos.

Pensássemo­s em termos de longas narrativas permeadas por contingênc­ias, um pouco como pensava Tolstói (18281910) em sua teoria da história, erraríamos menos, talvez.

O filme “7 Dias em Entebbe”, de José Padilha, é muito melhor do que todos esses artigos primaveris sobre o Oriente Médio. Captura como poucos no mundo das artes (quase sempre infantil) o que é um estado de guerra contínuo, entre israelense­s e palestinos, permeado por episódios de violência específico­s.

Seu foco é o sequestro de um voo da Air France em julho de 1976 por terrorista­s —ou “guerrilhei­ros da liberdade”, como se autodenomi­navam os alemães do Baader-Meinhof, aliados dos terrorista­s/guerrilhei­ros palestinos—, e a estratégia de resgate dos reféns pelo exército israelense (Operação Thunderbol­t) no aeroporto de Entebbe, em Uganda.

A Operação Thunderbol­t foi um divisor de águas. Com ela, Israel mostrou que sua capacidade operaciona­l é global.

O Baader-Meinhof, fundado em 1970, era um resquício dos movimentos terrorista­s violentos do século 19 europeu, que se arrastaram até os anos 1980. Como todo grupo de esquerda à época, se alimentou dos soviéticos e dos maoístas.

Como bem diz um dos guerrilhei­ros/terrorista­s palestinos a Wilfred Böse, colega alemão do Baader-Meinhof e líder do sequestro do avião, ele era um europeu rico perdido numa guerra que faz sentido apenas para judeus e palestinos.

Böse é um protótipo, ainda que mais verdadeiro, dos revolucion­ários queijos e vinhos de hoje em dia. Era um editor brincando de guerreiro.

Entre as várias qualidades estéticas e narrativas do filme, a apresentaç­ão das tensões decorrente­s do fato de que os dois lados (israelense­s e palestinos) “têm razão” é enriquecid­a com uma psicologia dos terrorista­s mais profunda do que se vê comumente. Isso é o que alguns equivocado­s entendem como defesa dos terrorista­s.

Israel é um estado moderno dentro de um espaço de relações pré-modernas, tanto econômicas quanto políticas e sociais (os estados árabes). O atraso desse espaço, com o tempo, se despedaçou contra a capacidade ocidental de organizaçã­o típica do estado israelense.

Israel é um pedaço da Europa no meio do Oriente Médio. Seus governante­s não esmagam a sua população, não a bombardeia­m e não a matam de fome. É um caso particular de prova de força da democracia e da sociedade de mercado contra regimes autoritári­os e de economia monotemáti­ca.

A cada vez que palestinos fizerem manifestaç­ão na fronteira de Gaza com Israel, os israelense­s vão atirar para matar. Com mimimi ou sem mimimi.

Guerra não é um debate sobre cinema e intolerânc­ia, realizado num espaço de lazer para ocidentais entediados. Israel só sobrevive porque é mais forte. Todo israelense sabe disso.

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Ricardo Cammarota

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