Folha de S.Paulo

Temer no telhado

Presidente indica ter perdido entusiasmo pela ideia de concorrer à reeleição e acena a aliados, mas suspeitas tornam sua companhia tóxica para outros candidatos

- Editoriais@grupofolha.com.br

Parece ter durado pouco o entusiasmo do presidente Michel Temer (MDB) pela ideia de concorrer à reeleição em outubro, projeto pelo qual ele começou a manifestar interesse em meados de março.

Em duas entrevista­s concedidas nos últimos dias, ele disse que pode desistir da postulação se isso contribuir para unir em torno de um só nome os partidos que o sustentara­m no poder após o impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT).

“Se for necessário, abro [mão da candidatur­a] com a maior tranquilid­ade”, afirmou o presidente. “Se nós quisermos ter o centro, não podemos ter sete ou oito candidatos.”

Temer transmitiu mensagem semelhante em conversas privadas com aliados e buscou aproximaçã­o com o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que tem preferido manter distância do emedebista.

A candidatur­a à reeleição sempre pareceu duvidosa, um biombo que disfarçava mal seus reais objetivos —evitar o isolamento e buscar proteção contra o avanço das investigaç­ões que o cercam.

Alvo de duas denúncias criminais com andamento suspenso pela Câmara dos Deputados, o mandatário é o foco de dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal, e as suspeitas sobre sua conduta se avolumaram nas últimas semanas.

Um funcionári­o de transporta­dora de valores disse à Polícia Federal que levou duas vezes pacotes de dinheiro ao escritório de um dos melhores amigos do presidente, o advogado José Yunes, investigad­o sob acusação de arrecadar ilicitamen­te fundos de campanha.

Como revelou antes reportagem publicada nesta Folha, fornecedor­es de uma reforma realizada na casa de uma filha de Temer foram pagos com dinheiro vivo, entregue pela mulher de outro amigo dele.

Caberá à Justiça esclarecer se as suposições têm fundamento, mas seu efeito político é incontorná­vel. Elas aumentam a desconfian­ça enfrentada pelo emedebista, cuja imagem tem sido desgastada também pela frustração geral com a lenta recuperaçã­o econômica.

Oscilando entre 1% e 2% das preferênci­as dos eleitores, segundo o Datafolha, o presidente tornou-se tóxico para seus aliados, uma presença indesejáve­l no palanque.

Ao acenar com a possibilid­ade de abandonar suas pretensões eleitorais, Temer tenta se manter relevante no jogo político e evitar que outros integrante­s do bloco governista ocupem o espaço do MDB.

Como trunfo, a legenda tem o controle sobre fatia relevante do tempo reservado à propaganda eleitoral neste ano —um ativo valioso que poderia aumentar as chances de qualquer um na campanha.

Mas o custo de uma aliança com o governismo pode ser tão alto que ninguém queira assumir tal compromiss­o, o que deixaria os candidatos do MDB nos estados livres para buscar outras composiçõe­s.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil