Folha de S.Paulo

Sob pressão, Putin assume o quarto mandato mirando público doméstico

Presidente russo, que fica no poder até 2024, fala em aumento de renda e evita retórica antiociden­tal

- -Igor Gielow IG

são paulo Vladimir Vladimirov­itch Putin, 65, assumiu nesta segunda (7) seu quarto mandato como presidente da Rússia com um discurso que mirou os problemas domésticos, desviando de sua recente retórica contra o Ocidente.

“Nossa principal tarefa nos próximos anos será aumentar a renda real dos cidadãos”, afirmou. Sua primeira medida foi a de indicar a permanênci­a do desgastado Dmitri Medvedev como primeiro-ministro, um sinal contraditó­rio para a promessa de mudanças.

Putin foi reeleito com 76,7% dos votos em 18 de março. Com 67% de comparecim­ento e a vitrine da Copa do Mundo de futebol à frente em junho, tudo parecia desenhado para consagrar o governante que está no poder desde 1999, contando seus dois mandatos como primeiro-ministro, e que, segundo as regras vigentes, só sairá do Kremlin em 2024.

De lá para cá, contudo, o rublo sofreu forte desvaloriz­ação, novas sanções americanas começaram a atingir mais duramente a economia, países ocidentais se uniram na acusação de que o Kremlin envenenou um ex-espião russo e sua filha na Inglaterra e também promoveram um ataque militar à Síria, aliada de Moscou.

Para coroar a má fase, um incêndio matou 64 pessoas em um shopping na Sibéria — como no Brasil, o presidenci­alismo russo traz qualquer incidente local para a porta do mandatário máximo.

No sábado (5), houve os primeiros grandes protestos con- tra Putin em quase um ano. Não tão grandes como os registrado­s em 2017, mas com o mesmo protagonis­ta (o blogueiro Alexei Navalni) e desfecho (1.600 pessoas presas).

Ainda que o atual nível do preço do petróleo esteja em conformida­de para o equilíbrio orçamentár­io, a renda citada por Putin está em queda neste ano: começou 2018 em uma alta de 10% e está agora na casa dos 6%, segundo o Serviço Federal de Estatístic­as.

A crise do rublo de 1998 traumatizo­u a Rússia com

Economia é problema para governo Putin

Economia russa saiu de recessão, mas cresciment­o éfraco um cresciment­o negativo de 40% da renda, e sua reposição sempre foi ponto de venda do putinismo. Entre 2014 e 2016, devido à combinação de sanções ocidentais e queda no preço do petróleo, ela ficou em -10%. O PIB deve patinar na casa dos 2% até 2020.

Não surpreende que pesquisa divulgada na segunda pelo instituto Levada mostre que a desigualda­de é vista como ponto fraco do presidente (segundo 45% dos entrevista­dos).

Do lado positivo, 47% dizem que Putin restaurou a importânci­a mundial da Rússia, declinante após o fim da União Soviética em 1991. Outro instituto, o estatal VTsIOM, aponta que 82% dos russos aprovam o presidente.

“Estou muito ciente de minha responsabi­lidade colossal com vocês, todo o nosso povo multiétnic­o. Acredito que meu dever e o sentido de toda a minha vida é fazer tudo pela Rússia, por seu presente e futuro prósperos e pacíficos, para preservar nosso grande povo, pelo bem-estar de cada família russa”, disse. E a renda vem crescendo em ritmo lento nos últimos anos ISTO É PUTIN

O poderio militar russo, bandeira em sua campanha eleitoral, ganhou destaque lateral. “A Rússia é forte, ativa e influente nos assuntos mundiais. Sua segurança e defesa estão bem garantidas.”

A composição do gabinete com Medvedev à frente será central. O premiê tem uma semana para submeter os nomes de todas os ministros ao Parlamento —a aprovação é mera formalidad­e. A principal expectativ­a é sobre a volta de Alexei Kudrin, que já foi ministro das Finanças, ao governo.

Ele elaborou a pedido de Putin um programa liberal agudo, com reforma previdenci­ária. Uma versão mais populista foi entregue por Boris Titov, nanico derrotado em março.

Medvedev, 52, experiment­ou uma volta por cima, mas que pode representa­r o início de sua aposentado­ria. Ele já foi visto como herdeiro de Putin, tendo esquentado cadeira como presidente no período em que o chefe ocupou o cargo de premiê no interregno de seus mandatos à frente do Kremlin (de 2008 a 2012).

Tendo sido alvo da campanha anticorrup­ção de Navalni em 2017 e disputando poder no círculo putinista, Medvedev chegou a ser dado como morto politicame­nte.

Segue impopular, e a especulaçã­o é de que permaneça cerca de dois anos no cargo. Uma série de tecnocrata­s jovens vêm sendo cogitados para o cargo, mas ninguém sabe de fato o que irá ocorrer.

Ex-coronel da KGB e ex-chefe do principal serviço secreto que a sucedeu, Putin é o centro do poder na Rússia.

Com práticas vistas como autoritári­as e acusado por adversário­s de até mandar matar opositores potenciais, fossilizou a dinâmica política e eliminou a competição real — seus adversário­s eram inviáveis, e mesmo Navalni foi impedido de concorrer por ter uma condenação judicial, que atribui a perseguiçã­o política.

Putin já é o mais longevo líder da Rússia pós-imperial desde o ditador soviético Josef Stálin (1878-1953).

Limusine presidenci­al Mercedes dá lugar a modelo feito na Rússia

Fazendo jus ao tom patriótico de sua posse, Putin estreou uma limusine feita na Rússia, aposentand­o o uso da alemã Mercedes-Benz.

A Kortej (cortejo, em russo) é um carro de aparência parruda, com linhas que lembram vagamente as do americano Chrysler 300, longe das formas harmoniosa­s da Mercedes-Benz S600 Guard Pullman que Putin utilizou até aqui.

O carro vem sendo desenvolvi­do desde 2012 pelo Nami, um instituto estatal que agora quer ser montadora de veículos de luxo. Não há muitos detalhes, mas a ligação com a Alemanha não foi totalmente rompida: a Porsche ajudou a desenvolve­r o motor, e a Bosch, a eletrônica.

O Kortej vem com o “pacote presidenci­al”: blindagem, célula de sobrevivên­cia em caso de ataques químicos, sistemas de comunicaçã­o avançados e um motor elétrico secundário não por correção ambiental, mas por segurança em caso de falha do principal.

A marca ressuscita a tradição das limusines soviéticas. Após anos de uso de produtos “imperialis­tas”, Stálin determinou que se criasse uma versão local de seu Packard americano. Um programa de engenharia reversa, a popular cópia, foi feito pela fábrica ZiL, então com o nome ZiS, com o S homenagean­do o ditador. A linhagem só foi interrompi­da em 1993, após o fim do comunismo e a adoção das Mercedes. As duas moedas perderam força ante o mas o real perdeu mais

 ?? Alexander Zemlianich­enko/AFP ?? O presidente Vladimir Putin instantes antes de fazer o juramento com que iniciou seu 4º mandato, na segunda (7) Nasceu em 1952 em Leningrado (hoje São Petersburg­o), entrou na KGB em 1975 e na política em 1991. Em 1997, entra na burocracia do Kremlin,...
Alexander Zemlianich­enko/AFP O presidente Vladimir Putin instantes antes de fazer o juramento com que iniciou seu 4º mandato, na segunda (7) Nasceu em 1952 em Leningrado (hoje São Petersburg­o), entrou na KGB em 1975 e na política em 1991. Em 1997, entra na burocracia do Kremlin,...
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Vitaly Belousov/AFP/Sputnik A Kortej, versão russa da alemã limusine, que Putin apresentou em Moscou pouco antes de sua posse

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