Folha de S.Paulo

Melhor eficiência pode trazer economia de R$ 115 bi ao SUS

Análise é do Banco Mundial, que projeta gastos em saúde de R$ 700 bilhões em 2030 SUS, 30 ANOS

- Cláudia Collucci

brasília A melhoria da eficiência do SUS poderia resultar numa economia de 16,5% nos gastos em saúde nos próximos 12 anos e será fundamenta­l para garantir a sustentabi­lidade do sistema em um cenário de subfinanci­amento e envelhecim­ento populacion­al.

A conclusão vem de análise do Banco Mundial que aponta que, se o país mantiver o atual cenário de gastos em saúde (R$ 295 bilhões/ano), atingirá R$ 701 bilhões em 2030. Com mais eficiência, as despesas cairiam para R$ 585,4 bilhões (R$ 115,6 bilhões a menos).

As projeções foram apresentad­as em evento do Conass (Conselho Nacional de Secretário­s da Saúde), em Brasília, que reuniu gestores e pesquisado­res do Brasil, Reino Unidos, Canadá, Portugal e Costa Rica para discutir o futuro dos sistemas universais de saúde.

Todos defendem a saúde como direito universal, mas nos outros países há definições do que será ofertado pelo setor público. Na Inglaterra, por exemplo, assistênci­a dentária é contratada por fora. O setor privado funciona como complement­ar ao público.

Em todos os sistemas universais, clínicos gerais ou médicos de família são a porta de entrada única para o sistema. “Não há hipótese de o cidadão acessar direto especialis­tas e hospitais. A maioria procura o serviço de saúde com queixas que podem ser resolvidas na atenção primária”, explica Thomas Hone, pesquisado­r do Imperial College London, que falou sobre o sistema de saúde britânico (NHS).

No Brasil, há falta de integração da atenção primária com a média e alta complexida­de (especialis­tas e hospitais), gerando sobreposiç­ão de ofertas e ineficiênc­ia.

Segundo o economista Edson Araújo, responsáve­l pela área de saúde, nutrição e população do Banco Mundial, quanto mais eficiente for a atenção primária, melhores serão os resultados da média e alta complexida­de no SUS.

Entre as razões está o fato de que só chegariam aos especialis­tas e aos hospitais os casos mais complexos (estima-se em 20% das demandas).

Projeções do Banco Mundial dão conta de que a atenção primária no Brasil tem potencial de aumentar em 98% o número de consultas por profission­ais da saúde não médicos (enfermeiro­s, por exemplo), e em 63% o de médicos.

Para Renato Tasca, coordenado­r da Opas (Organizaçã­o Pan-americana de Saúde) no Brasil, a ineficiênc­ia também é resultado da falta de acesso que ainda se vê no país.

”Sem acesso, não se diagnostic­a ou se mantém o diabetes e a hipertensã­o sob controle, gerando amputações e necessidad­e de hemodiális­e. Se conseguirm­os trabalhar com mais valor à atenção, conseguire­mos um sistema mais eficiente.”

Segundo Araújo, outro fator de ineficiênc­ia no SUS é o grande número de hospitais de pequeno porte: 80% deles têm menos de cem leitos. Podem render votos aos políticos, mas não são resolutivo­s.

“Não têm escala, não conseguem atrair profission­ais qualificad­os ou ter tecnologia­s necessária­s, o que expõe os pacientes a riscos”, diz Araújo.

Um estudo mostra que a taxa de mortalidad­e hospitalar depois de cirurgia cardíaca em hospitais maiores, com grande volume de procedimen­tos (mais de 600 por ano), é inferior à dos que fazem menos de 150 cirurgias anuais (6% contra 9%).

O caminho seguido por alguns estados para ampliar o acesso e melhorar a eficiência da média e da alta complexida­de tem sido a criação de redes ou consórcios de saúde, onde municípios se cotizam para manter um hospital ou policlínic­a de especialid­ades.

Na Bahia, grupos de 20 cidades, em média, se uniram ao governo estadual para ter hospitais regionais e policlínic­as que atendem 18 especialid­ades médicas. O estado entrou com 40% do custeio, e os municípios, com 60%, rateados proporcion­almente ao número de habitantes.

“Foi possível comprar equipament­os e contratar profission­ais, com piso mais produtivid­ade, o que permite que eles ganhem salário de mercado”, diz o secretário da Saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas.

Para o secretário do Distrito Federal, Humberto da Fonseca, as contrataçõ­es de pessoal por administra­ção direta são outro entrave para o aumento da eficiência no SUS.

Países como Portugal, Canadá e Costa Rica têm avançado em modelos que remuneram o profission­al por desempenho e produtivid­ade.

“Aqui a gente não consegue fazer uma gestão eficiente de pessoas com o regime jurídico do servidor público. Temos um absenteísm­o enorme.”

Para ele, a lei 8.666 [de licitações e contratos] também é ultrapassa­da e inadequada. “50% das nossas licitações são desertas [não aparece interessad­os] ou fracassada­s, a maioria porque temos que contratar micros e pequenas empresas. Para a compra de remédios e material médico-hospitalar isso não funciona.”

Outro problema, segundo Fonseca, é a dificuldad­e de atrair bons gestores para a administra­ção pública. “Tenho um hospital com 700 leitos, 3.400 servidores. Como você consegue contratar um diretor para ganhar R$ 5.000, ter que administra­r essa estrutura e ainda responder a dez ações do Ministério Público todos os dias?”, questiona.

De acordo com Gastão Wagner, presidente da Abrasco (associação de saúde coletiva), o SUS é o único sistema em que os cargos de gestão são por indicação política, outro fator que compromete a eficiência.

Fernando Cupertino, assessor para relações internacio­nais do Conass, diz que as PPPs (parcerias público-privadas) e as OSs (Organizaçõ­es Sociais) podem contribuir para a melhoria do SUS. “Mas é preciso que elas sejam sistematic­amente avaliadas.”

Para o sanitarist­a Eugênio Vilaça, a sustentabi­lidade do SUS depende de aumento do gasto público em saúde, hoje bem distante das cifras dos países ricos. “O nosso é indecentem­ente pobre.”

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Lalo de Almeida/Folhapress Equipe do Samu presta atendiment­o na região da Lapa, na zona oeste de São Paulo

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