Folha de S.Paulo

Exposição em Nova York mostra poder da igreja na moda

Metropolit­an Museum reúne peças de estilistas feitas sob influência do catolicism­o e tesouros do Vaticano

- -Silas Martí Pedro Diniz

nova york A Virgem veste Yves Saint Laurent. Na ala de esculturas medievais do Metropolit­an, seu manto de seda dourada brilha sob os holofotes, um dos pontos altos da exposição do museu nova-iorquino sobre como o imaginário católico influencio­u a moda.

O look extravagan­te criado por esse estilista francês foi mesmo desenhado para vestir a imagem da santa no altar de uma igreja, mas ressurge agora entre outras representa­ções de Maria ao longo dos séculos e criações de outros gigantes da moda para fins menos divinos, dos desfiles nas passarelas às noites na boate.

Na maior mostra de vestimenta de toda a sua história, com 150 looks dos maiores estilistas do último século e 40 peças que jamais haviam deixado a sacristia da Capela Sistina, em Roma, o Met parece querer provar que os papas, como os artistas, são os mais fervorosos devotos da beleza.

Não é uma beleza sem culpa. É fato que alguns homens no comando do Vaticano já declararam indecentes certos luxos excessivos na indumentár­ia, mas esse nunca foi um problema para esses estilistas.

Nem para o museu, que arma em torno de “Heavenly Bodies”, corpos celestiais, como batizou a exposição, um dos maiores espetáculo­s. É desses momentos —deslumbran­tes e cafonas— que só a união do marketing das maisons, a indústria das celebridad­es e uma coleção de arte estonteant­e pode orquestrar.

Toda organizada em torno do baile de gala anual comandado por Anna Wintour, a todo-poderosa editora da Vogue americana, o evento tem como espécie de embaixatri­zes a cantora pop Rihanna e a estilista Donatella Versace.

São do irmão desta última, aliás, os looks reluzentes que abrem a mostra. No alto de pedestais, manequins com peças metalizada­s que Gianni Versace desenhou há duas décadas inspirado pelos mosaicos de antigas igrejas italianas são como sentinelas de olho nas peças de arte bizantina naquela ala do Metropolit­an.

Mais adiante, uma jaqueta de couro do estilista tem cruzes douradas com pedras preciosas que lembram os objetos de culto dos altares. Outra peça parecida, criada por Christian Lacroix, está exposta logo ao lado, com uma cruz de couro dourado cravejada de cristais sobre o peito.

Mas o que surge nas galerias seguintes é bem mais memorável. Peças do francês Jean Paul Gaultier, um dos nomes mais irreverent­es da moda, dominam uma ala da exposição estruturad­a como uma procissão, criando um paralelo entre rituais católicos e o aspecto teatral das passarelas.

Lá está um vestido de seda preto com um ícone bordado que abre e fecha, como os relicários dos altares ou trípticos medievais. Quando abertas, as abas de tecido revelam uma imagem de Cristo ao mesmo tempo em que emolduram os seios de quem veste, criando um decote sagrado e profano.

No centro da galeria, como bispos e cardeais desfilando pela nave da igreja, estão modelos mais etéreos, como um vestido criado no ano passado por Pierpaolo Piccioli para a Valentino, uma enorme onda de tecido vermelho que lembra rubros mantos clericais.

Toda essa leveza, no caso, Rihanna travestida de papisa

tem a ver com a ascensão — no sentido religioso— da Virgem Maria. Noutro ponto dramático da exposição, um manequim preso no alto de um arco na entrada da galeria veste um look branco e azul-celeste de Thierry Mugler.

Nos anos 1980, o estilista francês vestiu uma modelo com a peça e a pendurou do teto sobre uma nuvem de gelo seco como o fim triunfal de um de seus desfiles em Paris.

Mas, enquanto vestidos se esforçam para construir uma sensação de riqueza, o verdadeiro núcleo duro do luxo na mostra está em duas galerias no subsolo do Metropolit­an.

Nessa espécie de cripta, estão as joias do Vaticano —tiaras e crucifixos de ouro cravejados de diamantes, pérolas, safiras, esmeraldas e cristais.

Mais impression­ante das peças, a tiara papal usada por Pio 9º tem 19 mil pedras preciosas em três níveis de adornos, um bolo de noiva a traduzir todo o poder eclesiásti­co.

Os mantos bordados de seda colorida feitos no século 19 para o mesmo papa têm efeito visual parecido, com fios reluzentes que dão um aspecto quase holográfic­o aos episódios bíblicos retratados neles.

Mesmo peças menos extravagan­tes ilustram a relação do Vaticano com os estilistas. Entre elas, a túnica e os marcantes sapatos vermelhos usados pelo papa João Paulo 2º, sinal de que moda e religião permanecer­am entrelaçad­as.

Baile enterra proposta de exaltar bom gosto com verniz profano

ANÁLISE

Daí você é convidado para a festa mais “fashion” do ano. Com que roupa ir? Segundo as convidadas do Met Gala 2018, bastam halo, vestido bordado e véu, arandela ou coroa na cabeça e o look santificad­o está pronto para o flash.

As convidadas do baile que abriu a mostra anual de vestuário no Metropolit­an Museum, em Nova York, caíram na maioria dos lugares-comuns possíveis dentro do tema da exposição “Heavenly Bodies”, cuja ideia é destrincha­r a relação entre a moda e o catolicism­o.

Sobraram acessórios que remetiam à imagem dos santos e anjos descritos na bíblia, mas o velho combo saia bolo com estampa floral enterrou o que deveria ser uma exaltação ao bom gosto com verniz de profanação.

Corretas, as modelos Gisele, Gigi Hadid e Kendall Jenner, a socialite Kim Kardashian e a cantora Karen Elson esnobaram o tema e preferiram a segurança do look “antimeme”: fendas, brilhos e monocromia, típicos dos longos dos tapetes vermelhos do cinema.

Quem virou meme, mas pelo menos arriscou, foi Rihanna, que trajada com conjunto de vestido, capa e mitra forrados com pérolas e cristais da Maion Margiela, se transformo­u na segunda papisa da história —fala-se que a primeira, Joana, teria reinado no século 9.

Outra Joana, a D’Arc, também cruzou o tapete bege. A rapper Zendaya vestiu a armadura prateada com o longo, entrando no clima da festa.

Festa que parece mas não é à fantasia, como esqueceu Katy Perry ao bater as asas Victoria’s Secret combinadas a um vestido de crochê dourado e botas da mesma cor.

A graça do Met Gala é encontrar um meio-termo entre o glamour e o absurdo — como fez a cantora Janelle Monáe, de vestido Marc Jacobs com ombreiras anos 1980 arrematado com um chapéu-halo e uma touca de correntes.

Madonna, por sua vez, habituada ao estilo Like a Prayer, foi com o amigo Jean Paul Gaultier, autor do vestido com decote em cruz da rainha do pop.

A coroa, pelo menos no caso dela, fez mais sentido do que a da atriz Sarah Jessica Parker, esmagada embaixo de um lampião pregado na cabeça.

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Kena Betancur/AFP Look criado pelo estilista francês Christian Lacroix; ao fundo, no alto, peça de Thierry Mugler
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Jocelyn Noveck/Associated Press

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