Folha de S.Paulo

Roleta iraniana

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Causaria surpresa se Donald Trump tomasse outra decisão que não a desta terça-feira (8) em relação ao acordo nuclear firmado com o Irã em 2015. O rompimento dos EUA condiz com a obstinação do presidente em cumprir promessas de campanha, seja qual for o custo.

No discurso em que fez o anúncio, ele voltou a afirmar que o pacto só beneficiav­a Teerã e jamais deveria ter sido negociado como foi, pois “não trouxe tranquilid­ade, não trouxe paz nem nunca vai trazer”.

Além do interesse de torpedear o que se consolidou como um legado de seu antecessor, Barack Obama, o republican­o sempre criticou o documento por não incluir nenhuma restrição ao programa iraniano de mísseis balísticos.

Também via como concessão excessiva o fim de qualquer limitação sobre a produção de combustíve­l nuclear para uso civil após 2030.

Para o chefe da Casa Branca, não há como se fiar em um país cujo líder supremo, Ali Khamenei, pede “morte à América”. Raciocínio semelhante tem Israel, principal aliado americano no Oriente Médio, que vê o regime dos aiatolás como constante ameaça por pregar a destruição do Estado judeu e financiar milícias radicais na região.

Trata-se, em tese, de argumentos válidos, mas que não diferencia­m a retórica anti-Ocidente —cara a segmentos ultraconse­rvadores do Irã— do senso de pragmatism­o existente em qualquer negociação diplomátic­a.

Segurament­e há imperfeiçõ­es no acordo, mas o entendimen­to a que se chegou naquele momento refletiu o que se mostrava possível fazer para chamar ao diálogo uma nação cujo isolamento constituir­ia risco ainda maior.

Não por acaso, os demais signatário­s —os outros quatro membros do Conselho de Segurança da ONU, mais Alemanha e União Europeia— tentam evitar que a reimposiçã­o das sanções financeira­s de Washington contra Teerã enterre o pacto.

Soa, assim, alvissarei­ra a declaração do presidente iraniano, Hasan Rowhani, de que conversará com esses países para buscar a manutenção dos termos vigentes. Isso vai depender, entretanto, do grau de asfixia a que estará sujeita a economia local, já combalida, com a volta das retaliaçõe­s dos EUA.

Na hipótese de um impasse, o país persa poderá se ver desimpedid­o de desenvolve­r armas atômicas, ao largo de monitorame­nto internacio­nal. Como disse o presidente francês, Emmanuel Macron, estaria aberta a caixa de Pandora. E todos, não somente Trump, passariam a participar de um jogo aberto a qualquer possibilid­ade.

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