Folha de S.Paulo

Lava Jato apura contrato sob suspeita de cobrança de propina por Temer

Contrato entre Petrobras e Odebrecht de R$ 2,9 bilhões teria tido parcela paga a MDB, segundo delator

- -Ana Luiza Albuquerqu­e

curitiba A deflagraçã­o da 51ª fase da Lava Jato, denominada Dejà Vu, na manhã desta terça-feira (8), colocou mais uma vez o presidente Michel Temer (MDB) na linha de tiro. Ainda que a força-tarefa de Curitiba não tenha competênci­a para investigar políticos com foro especial, a nova fase teve como ponto de partida um contrato que, segundo a Odebrecht, foi acordado com Temer em 2010 em troca de propina para o partido.

O contrato PAC-SMS foi firmado em 2010 entre a área internacio­nal da Petrobras e a Odebrecht, para a prestação de serviços de segurança, ambiente e saúde em nove países, além do Brasil. O valor do contrato foi de mais de US$ 825 milhões (R$ 2,9 bilhões).

O ex-presidente da Odebrecht Engenharia Márcio Faria disse em delação que o MDB negociou propina de 5% do contrato, correspond­ente a US$ 40 milhões (R$ 142 milhões).

Segundo ele, houve um encontro com Temer, quando vice de Dilma Rousseff (PT), e outras pessoas da legenda, como o ex-deputado Eduardo Cunha, para tratar do acordo. Faria disse que, na ocasião, não se falou em valores, mas ficou claro que se tratava de propina relacionad­a ao contrato, e não de contribuiç­ão de campanha.

Rogério Araújo, responsáve­l pelo lobby da Odebrecht na Petrobras, disse em delação que Temer assentiu e deu a bênção aos termos do acordo, previament­e tratado com Cunha e com o lobista João Augusto Henriques. Segundo ele, o PT ficou com 1% (R$ 28,4 milhões) e o MDB, com 4% (R$ 113 milhões) do contrato.

O Ministério Público Federal do Paraná identifico­u repasses de propina de mais de US$ 56,5 milhões (R$ 200 milhões), de 2010 a 2012. A quantia, de acordo com a Procurador­ia, foi recebida por executivos da estatal e agentes que se apresentav­am como intermediá­rios do MDB.

O partido, segundo a forçataref­a, foi responsáve­l pela indicação e manutenção de Jorge Zelada na diretoria Internacio­nal da Petrobras, que deu aval para o esquema.

Os pagamentos teriam sido realizados em espécie e por meio de offshores, utilizando o Setor de Operações Estruturad­as da Odebrecht (conhecido como o setor de propinas), operadores financeiro­s e doleiros.

As investigaç­ões identifica­ram repasses de US$ 25 milhões (R$ 89 milhões) para os ex-executivos da Petrobras e de US$ 31 milhões (R$ 110 milhões) para agentes do MDB.

“Não se trata de crime ordinário qualquer, mas, em cognição sumária, de crime de corrupção e lavagem de dinheiro (...) praticado com sofisticaç­ão, envolvendo o recebiment­o e a manutenção de contas secretas no exterior”, escreveu o juiz Sergio Moro em despacho que autorizou os mandados cumpridos pela PF.

A operação desta terça buscou cumprir 17 mandados de busca e apreensão, quatro mandados de prisão preven- Sergio Moro

Juiz, em despacho que autorizou mandados cumpridos pela PF tiva e dois mandados de prisão temporária no Rio, Espírito Santo e São Paulo. Todos os mandados foram cumpridos, com exceção da prisão preventiva do operador Mario Miranda, que está em Portugal.

Os alvos dos mandados de prisão temporária foram os operadores Sérgio Boccaletti e Ângelo Lauria, que se identifica­va como intermediá­rio do MDB. Também foram expedidos mandados de prisão preventiva de Aluísio Teles e Ulisses Sobral, ex-executivos da área Internacio­nal da Petrobras, e de Rodrigo Pinaud, contratado pela estatal para auxiliar no processo de licitação do PAC-SMS.

Segundo o MPF, o trio direcionou e inflou o contrato com a permissão de Zelada. Os três teriam recebido os US$ 25 milhões (R$ 89 milhões), propina de 3% do valor do contrato.

Eles já haviam sido condenados pela Justiça Estadual do Rio por fraude à licitação, relacionad­a ao mesmo contrato. As provas destes autos foram remetidas para a Procurador­ia Geral da República, que encaminhou o conteúdo para a força-tarefa em Curitiba.

O pagamento dos US$ 25 milhões (R$ 89 milhões), de acordo com a força-tarefa, ocorreu por meio de transferên­cias em contas no exterior e sua distribuiç­ão foi feita em camadas para dificultar o rastreamen­to. O operador Mario Miranda, segundo o MPF, recepciono­u a quantia em sua offshore, repassando uma parte.

Já os mais de US$ 30 milhões (R$ 106,5 milhões) repassados aos políticos foram entregues tanto em espécie, no Brasil, quanto em contas no exterior, com a ajuda do operador Ângelo Lauria. De acordo com a Procurador­ia, os repasses foram confirmado­s por planilhas da Odebrecht e mensagens entre os envolvidos.

Não se trata de crime ordinário qualquer, mas, em cognição sumária, de crime de corrupção e lavagem de dinheiro (...) praticado com sofisticaç­ão, envolvendo o recebiment­o e a manutenção de contas secretas no exterior

Temer fala em ‘tentativa requentada’ de atacar sua honra

O Palácio do Planalto afirmou que o caso é “mais uma tentativa requentada de atacar de forma inaceitáve­l a honra de Temer com fatos inexistent­es”. Procurada, a defesa de Mario Miranda disse que não se manifestar­ia. A defesa de Cunha chamou a ação de absurda. “A defesa desafia que esse delator prove suas levianas afirmações.” A reportagem não conseguiu contato com os demais alvos.

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