Folha de S.Paulo

Contra apelo europeu, Trump tira EUA de acordo com o Irã

Presidente cumpre promessa de campanha e reinstitui sanções sobre Teerã

- -Silas Martí Colaborou Estelita Hass Carazzai, de Washington

Não permitirem­os que um regime que grita ‘Morte aos EUA’ tenha acesso às armas mais mortais da Terra

nova york Depois de repetidas ameaças, o presidente americano, Donald Trump, anunciou nesta terça (8) a retirada dos Estados Unidos do acordo nuclear com o Irã, concretiza­ndo uma promessa de campanha, mas contrarian­do as vontades dos principais países aliados de Washington.

Desde a campanha à Presidênci­a, Trump vinha chamando de catastrófi­co, desastroso e insano o pacto firmado há três anos, mas demorou 15 meses depois de sua posse para anunciar a retomada de sanções contra Teerã.

Ele demonstrav­a contraried­ade, entre outros pontos, com o fato de o documento não contemplar o programa de mísseis balísticos do Irã, que continua a operar, nem a intervençã­o do país persa nas guerras da Síria e do Iêmen.

“Se eu deixasse esse acordo de pé, haveria uma corrida por armamentos nucleares no Oriente Médio”, disse o republican­o, em discurso na TV. “Não podemos impedir uma bomba nuclear iraniana com a estrutura apodrecida do acordo atual. Ele é defeituoso no próprio cerne.”

O acerto firmado em 2015 entre EUA, Irã, França, Alemanha, Reino Unido, China e Rússia impôs limites ao programa nuclear de Teerã. Como contrapart­ida, sanções econômicas impostas ao país foram aliviadas, rompendo um isolamento longevo.

O Departamen­to do Tesouro americano informou que, diante do recuo de Washington, será revogada daqui a 90 dias a licença que autorizava a exportação de aeronaves ao Irã. Em um prazo de seis meses, serão reinstituí­das as punições para transações com o banco central iraniano e com determinad­as instituiçõ­es financeira­s do país.

A decisão dos EUA não significa a extinção do pacto. Mas, na visão de analistas políticos como Tom Nagorski, da Asia Society, um centro de estudos de Nova York, é só uma questão de tempo até os europeus se verem forçados a abandoná-lo.

“Se americanos forem mesmo punir firmas com negócios no Irã [como sinalizado por Trump no pronunciam­ento], a Europa talvez passe a se preocupar mais com questões da economia”, diz Nagorski.

Para Emma Ashford, analista do Instituto Cato, de Washington, trata-se de uma “vitória de Pirro” para Trump: “Ele cumpre a promessa de campanha, mas joga fora um acordo de não proliferaç­ão nuclear que funcionava bem. Há grande incerteza. Ele não tem uma estratégia para depois nem para evitar uma guerra com o Irã”.

O consenso entre analistas é que substituiç­ões recentes no gabinete de Trump, que mandou embora há pouco seu assessor de Segurança Nacional e seu secretário de Estado, tenham-no deixado mais confortáve­l para cumprir o que prometera em campanha. O círculo próximo do republican­o é cada vez menos moderado.

Um pronunciam­ento recente do premiê israelense, Binyamin Netanyahu, jogou ainda mais lenha na fogueira e foi decisivo para o anúncio de Trump, que mencionou o colega de Jerusalém no discurso.

Toda pensada para as câmeras, a apresentaç­ão de Netanyahu alardeava o conteúdo de documentos roubados pela inteligênc­ia israelense que comprovari­am que o Irã estava desenvolve­ndo a bomba atômica há dez anos.

Embora não haja provas de que Teerã tenha retomado o enriquecim­ento de urânio desde que foi firmado o acordo, o temor agora é que a decisão de Washington de abandonar a medida reavive os planos do Irã de desenvolve­r um arsenal nuclear.

O presidente iraniano, Ha- san Rowhani, foi comedido em suas reações ao anúncio de Trump. Em discurso, disse que, caso seja possível manter a cooperação econômica com outros aliados que firmaram o pacto, nada deve mudar, mas que o Irã pode reativar seu programa nuclear a qualquer momento.

Especialis­tas também afirmam que a decisão de Trump pode minar um pacto de desnuclear­ização com a Coreia do Norte ao passar a imagem de que os EUA não são negociador­es confiáveis.

“Será muito difícil firmar um acordo nuclear com outro país quando acabam de anular um pacto que ainda nem completou três anos”, diz Nagorski, da Asia Society. Donald Trump presidente dos EUA, ao anunciar a saída do acordo com o Irã

Francament­e é um dos piores e mais unilaterai­s acordos que os EUA entraram

em discurso na Assembleia-Geral da ONU, em setembro de 2017

Minha prioridade número um será desmantela­r esse acordo desastroso

ao Comitê de Assuntos Públicos Americano-Israelense (AIPAC), em março de 2016

Você sabe que eles vão trapacear

na véspera do anúncio do acordo por Obama, em julho de 2015

 ?? Atta Kenare/AFP ?? Mulher diante de mural na antiga sede da embaixada dos EUA em Teerã; presidente do Irã diz que respeitará pacto se outros países não o deixarem
Atta Kenare/AFP Mulher diante de mural na antiga sede da embaixada dos EUA em Teerã; presidente do Irã diz que respeitará pacto se outros países não o deixarem

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