Decisão é duro golpe para Teerã e deve gerar mais pressão interna
Estabelecer paralelo com negociação com Coreia do Norte é tentador, mas caso iraniano tem maior complexidade
ANÁLISE A previsível retirada dos EUA do acordo nuclear com o Irã é um golpe duro para o regime de Teerã e, por extensão, para a já falida estabilidade política do Oriente Médio.
Parece tentador estabelecer um paralelo entre os fatos desta terça (8) e o que Donald Trump fez ao longo do ano passado, quando respondeu à crescente ameaça nuclear da Coreia do Norte ampliando o risco de guerra.
Apologistas do presidente dirão que o caminho é esse, já que Kim Jong-un aquiesceu e vai se reunir com o próprio Trump. Só que o preço foi Kim virar um ditador respeitado e nuclearizado. Além disso, o caso iraniano é mais complexo pelo contexto histórico e perigoso, pelos vários atores envolvidos.
Há uma convergência: a pressão, ainda que seja promessa de campanha que Trump cumpriu, ocorre em um momento de beligerância do adversário.
Devido à equivocada política dos EUA no Iraque e na Síria, os últimos anos assistiram a um fortalecimento de Teerã nos vizinhos.
Ao aliar-se a Moscou na intervenção que salvou a ditadura de Bashar al-Assad, Teerã não só aumentou sua presença na Síria como deu condições para a milícia xiita libanesa Hizbullah tentar estabelecer uma segunda frente ao norte de Israel.
Por isso, Tel Aviv passou a atacar posições de Assad, do Irã e do Hizbullah, que recebe suas ordens de Teerã.
Para completar, o premiê Binyamin Netanyahu providenciou dossiê para acusar os iranianos de enganar o Ocidente sobre seus desígnios.
A evidência era algo tênue e bem hipócrita, já que Israel nunca reconheceu o arsenal atômico do qual dispõe. Mas poucos na região duvidam de que os aiatolás tenham meios para ludibriar inspeções externas.
A bola foi colocada para Trump chutar. Ele o fez, o que pode ensejar um confronto entre Israel e Irã.
É um cenário potencialmente caótico, não só porque os EUA são aliados de Tel Aviv, e a Rússia, de Teerã, para ficar no básico.
Mas também pelo voluntarismo da Arábia Saudita, cuja teocracia do ramo majoritário islâmico sunita abomina os xiitas centrados em Teerã como rivais geopolíticos e religiosos. O reino já sinalizou apoio ao antes inimigo Israel em caso de confusão.
Além disso, o fim do acordo gera mais tensão interna para o regime criado pelo aiatolá Khomeini em 1979.
Nos últimos meses, aumentaram os protestos de curdos no país. Eles estão garroteados pelo fechamento seletivo de fronteiras —Teerã teme a entrada de armas do Iraque. Há desemprego e faltam produtos em lojas.
Nas últimas semanas, um protesto difuso e nacional começou: notas bancárias começaram a ser rabiscadas. Teerã reagiu da maneira que pôde, banindo o aplicativo de mensagens Telegram —que é usado por metade dos 80 milhões de iranianos.
O caráter amorfo de insatisfação faz lembrar os atos do começo deste ano, notadamente seculares. Até aqui, toda onda de protesto contra o poder central preservava o caráter teocrático do regime.
O país enfrenta vários problemas econômicos, com uma inflação na casa dos 10%. Seu Produto Interno Bruto vem caindo desde 2012 em termos nominais: passou de US$ 590 bilhões para menos de US$ 400 bilhões.
A partir de 2016, com o fim das sanções devido ao cumprimento do acordo nuclear, a situação prometia melhorar, ainda que a só elite ligada à produção de petróleo tenha sentido benefícios.
A instabilidade afugentará já temerosos investidores potenciais. Mesmo que a Europa mantenha o acordo, sem os EUA ele está morto.
Sob ameaça de asfixia econômica, cercado militarmente e com desafios internos, Teerã pode ter à frente um questionamento existencial ao qual não vai responder sem carregar a região —e talvez o mundo— consigo. Onde estão as instalações nucleares iranianas
Minas de urânio Instalação nuclear Controladas pelo AIEA por um prazo de 25 anos Instalação militar Reator DIRIGENTES DE COREIA DO NORTE E CHINA VOLTAM A SE ENCONTRAR
O ditador norte-coreano, Kim Jong-un, conversa com o líder chinês, Xi Jinping, em Dalian (China), no segundo encontro entre as autoridades em menos de dois meses; o programa nuclear da Coreia do Norte foi um dos temas debatidos