Em crise cambial, Argentina volta ao FMI após 15 anos
Economistas avaliam que governo Mauricio Macri cometeu erros financeiros e políticos que fragilizam a economia agora
buenos aires, washington e brasília O presidente da Argentina, Mauricio Macri, anunciou nesta terça-feira (8) que, devido à disparada do dólar e às dificuldades do governo em proteger a moeda do país de uma desvalorização ainda maior, decidiu iniciar conversas com o FMI (Fundo Monetário Internacional) “para alcançar um acordo que permita superar as turbulências cambiais dos últimos dias”.
O objetivo é conseguir uma linha de crédito de US$ 30 bilhões, segundo a Folha apurou. O governo argentino e o FMI ainda não confirmaram o montante oficialmente.
É a primeira vez em 15 anos que o país recorre ao FMI, instituição que ficou marcada pelos sucessivos empréstimos ao país nas décadas de 1980 e 1990 —e, mais tarde, pela turbulenta relação com o governo dos Kirchner. Ainda hoje, muitos argentinos associam o colapso econômico de 2001 e a crise do “corralito” às imposições do Fundo na época.
“Nem o FMI é o mesmo nem a Argentina é a mesma. Ambos aprendemos de lições recebidas no passado”, afirmou o ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, nesta terça.
Macri disse que tomou a decisão para proteger o salário dos argentinos. Ao explicar os últimos acontecimentos, o presidente responsabilizou o estado da economia que recebeu do kirchnerismo em 2015 e “a fragilidade de nossa moeda diante do cenário internacional em transformação”.
No entanto, os especialistas dizem que foram uma combinação de tropeços internos e um cenário externo mais turbulento que levaram a Argentina à atual crise cambial —cujo impacto sobre o Brasil tende a ser menor que em outros anos. Não apenas porque o Brasil é credor do FMI desde 2009 mas porque a estrutura econômica de ambos se tornou muito diferente.
A valorização global do dólar tem provocado a desvalorização de moedas dos países emergentes como Brasil, Colômbia e Turquia. Mas a onda pegou a Argentina em um momento de particular fragilidade política e econômica.
No campo das finanças, o país tem uma taxa de inflação mais elevada do que a Brasil e a de demais países latinoamericanos, à exceção da Venezuela. No ano passado, foi de 25%. No Brasil, de 2,95%.
Nos primeiros quatro meses do ano, uma seca severa ajudou a inflamar os preços dos alimentos e baixou expectativas de receitas com a exportação de grãos. Isso elevou a insatisfação dos argentinos, que já estavam sob o impacto de reajustes nos preços das tarifas de energia e de transportes, congelados durante anos nas gestões de Néstor e Cristina Kirchner.
O resultado é uma inflação que está rodando acima de 2% mensais e que, nos primeiros três meses do ano, foi de 6,7%.
No campo político, o impopular aumento de tarifas provocou fissuras na coalizão política que sustenta Macri, o que deixou investidores desconfiados da capacidade de o presidente executar as transformações econômicas que prometeu.
Um exemplo é o avanço de um projeto de lei, proposto pela oposição, mas com apoio de governistas, de limitar aumentos de tarifas.
Além disso, a desconfiança de investidores cresceu com a suspeita de que o banco central da Argentina está sofrendo influência política, desde que o governo decidiu rever a meta de inflação deste ano. acordos financeiros foram firmados entre a Argentina e o FMI, entre eles:
1958 Primeiro acordo, no valor de US$ 75 milhões
1984 Governo civil após a ditadura negocia ajuda e implementa um duro ajuste
2000 Socorro de US$ 40 bi tenta, mas não evita colapso econômico
2003 Último acordo leva país à recuperação
Em dezembro, em um pronunciamento que uniu políticos e técnicos, o governo anunciou que a meta seria elevada de um intervalo de 8% a 12% para 15%. Em seguida, a autoridade monetária baixou os juros, em movimento contraindicado em um momento de inflação ascendente.
O economista Marcos Buscaglia, da consultoria Alberdi Partners, afirma que o pedido de socorro ao FMI gerou certo assombro entre estrangeiros, que buscam informações para tentar entender a crise argentina.
Afinal, Macri é considerado um dos presidentes mais reformistas no poder hoje, aprovou mudanças na Previdência Social e já enviou ao Congresso proposta para alterar as regras trabalhistas.
“Há pouco mais de duas semanas, em encontro do FMI em Washington, a Argentina era um dos países-estrela, com investidores demonstrando interesse e otimismo com o país”, disse.
A seu ver, a administração Macri cometeu erros, como a mudança da meta de inflação de maneira desastrada, além de dificuldades em fazer um ajuste fiscal mais duro para conter o aumento de preços.
“O peso se depreciou muito em janeiro e em um país dolarizado como a Argentina, as pessoas pensam em dólar, poupam em dólar. Quando o dólar sobe, o argentino compra dólar [o que reforça o impulso de alta]”, diz.
Para conseguir acesso aos recursos dos FMI, a Argentina agora precisa cumprir justamente os requisitos que lhe faltam, como bom fluxo de capitais, sólidas finanças públicas e inflação estável. Uma análise do banco Goldman Sachs destacou que “não está claro se a Argentina se enquadra nessa descrição”. Isso terá que ser negociado com o FMI.
A diretora-gerente do Fundo, Christine Lagarde, confirmou que iniciou “discussões” com Macri, mas não deu detalhes sobre o empréstimo.
Ela irá se reúne com o ministro da Fazenda do país nesta quarta-feira (9), em Washington, para discutir termos do 27º acordo com a Argentina. Leia mais nas págs. A15 e A16 Economia vive altos e baixos
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