Turbulência afeta o comércio bilateral, dizem economistas
Vendas entre Brasil e Argentina tendem a sofrer, em especial no setor automotivo
são paulo e brasília Em meio à forte crise cambial na Argentina, os temores de analistas brasileiros passam ao largo do mercado financeiro e se fixam nos estragos sobre o comércio entre os dois países.
Diferentemente de outros episódios, um robusto volume de reservas em moeda estrangeira de quase US$ 400 bilhões dá ao Brasil certo conforto com relação à trajetória da inflação, dos juros e até mesmo do real e, ao lado de outros bons indicadores, impede eventual contaminação.
É certo que o real caiu 5% desde meados de abril, mas não levado pelos problemas na Argentina, e sim por uma piora nas condições globais.
Com a perda de prumo da Argentina, são as exportações para o país vizinho, em especial de automóveis, que podem sair machucadas.
“É esse o principal canal de contágio do Brasil”, diz Lívio Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas.
Em 12 meses até abril, diz, a balança comercial da cadeia automotiva entre Brasil e Argentina teve um saldo de US$ 5 bilhões a favor do Brasil— algo perto de 10% do saldo comercial total entre os dois países.
“A Argentina pode não ser muito importante para o mundo, mas é para o Brasil”, afirma Ribeiro.
Um executivo da FCA (Fiat Chrysler Automobiles) diz que a alta dos juros na Argentina deve reduzir o mercado interno do país e, por consequência, afetar as exportações brasileiras para lá.
Maurício Molon, economista-chefe do Santander, ressalta que 70% das exportações de automóveis do Brasil vão para a Argentina. Em suas contas, uma queda de 10% das vendas de veículos para o país vizinho poderia afetar a produção total de automóveis entre 2% e 2,5%.
Isso, diz Molon, afetaria toda a produção industrial, cuja reação em 2017 foi bastante influenciada pelo setor automobilístico, jogando mais incertezas sobre a recuperação da atividade de modo geral.
Já os efeitos da crise argentina sobre os mercados financeiros preocupam menos, diz Molon, porque os fundamentos externos brasileiros são favoráveis: o déficit nas transações externas do Brasil é de 0,4% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto, na Argentina, superou 4,5%.
Além disso, o Brasil é credor externo e tem uma inflação baixa que pode acomodar os solavancos do dólar, o que não acontece com o país vizinho, cuja inflação ronda os 25%. “É por isso que, aqui, a gente discute operações para suavizar a alta do dólar enquanto lá eles foram direto ao FMI”, diz Molon.
“Temos uma situação totalmente diferente da Argentina”, disse o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, ao assegurar que não há canal de contágio entre os dois países, em razão da situação externa brasileira confortável, financiada por investimentos estrangeiros e reservas elevadas.
Ribeiro, da FGV, ressalta, no entanto, que a saída de investidores da Argentina pode, de alguma forma, favorecer outros países da região —não necessariamente o Brasil.
Se a ideia do investidor é levar seu dinheiro para mercados mais estáveis na América Latina, o Chile estaria em vantagem por ser, entre os maiores (Brasil, México e Colômbia), o único em que o resultado das eleições presidenciais já é conhecido.