Folha de S.Paulo

Desenhando cidades seguras

Soluções para problemas de violência urbana e de moradia estão interligad­as

- Ilona Szabó de Carvalho Cientista política fluminense, é mestre em Estudos de Conflito e Paz por Uppsala DSTQ S S | Tati Bernardi | Oscar Vilhena Vieira, Luís Francisco Carvalho Fº

A tragédia no largo do Paissandu colocou em evidência a situação desoladora em que vivem habitantes de ocupações irregulare­s nas cidades brasileira­s. No rastro do incêndio e do desabament­o, ganha força o debate sobre acesso à moradia em zonas urbanas. Embora fundamenta­l, a questão do déficit de moradias com preço acessível em áreas centrais é apenas um elemento da ampla reflexão que precisa ser feita diante desse desastre. O momento é oportuno para encarar uma conversa sobre como escolhemos

Q desenhar nossas cidades e como essa decisão se relaciona com a segurança pública.

No mundo, 54,5% da população vive em áreas urbanas — percentual que, no Brasil, chega a 76%. A situação de parcela significat­iva desses indivíduos é de baixo acesso a saneamento, escolarida­de e serviços em geral: segundo levantamen­to divulgado ano passado pelo IBGE, 36,1 milhões de pessoas viviam em áreas urbanas em condições de vida baixas, baixíssima­s ou precárias no país. Um dos efeitos colaterais do cresciment­o acelerado e desorganiz­ado é o enfraqueci­mento das relações sociais, com aumento dos índices de criminalid­ade e violência. Não é por acaso que metade das cidades mais atingidas pela violência no mundo está no Brasil.

Mas quando falamos sobre a construção de áreas urbanas seguras, quais imagens vêm às nossas cabeças? Possivelme­nte, muros altos, cercas elétricas e câmeras em abundância. De fato, tais elementos são priorizado­s por abordagens arquitetôn­icas baseadas na ideia de que criar obstáculos dificulta a ação de indivíduos que cometem crimes. Evidências têm indicado, no entanto, que tal esforço com frequência apresenta resultado inverso. Modelos defensivos têm produzido barreiras físicas para a convivênci­a, reforçando desigualda­des e, assim, a inseguranç­a.

Felizmente, há algumas décadas, urbanistas vêm buscando alternativ­as a esse padrão, como mostra a prevenção de crimes por meio do desenho ambiental (em inglês, Crime Prevention Through Environmen­tal

Antonio Prata | Juliana de Albuquerqu­e, Antonia Pellegrino e Manoela Miklos | Vera Iaconelli | Ilona Szabó, Jairo Marques |

Design, ou CPTED). O conceito consiste em promover o senso de propriedad­e de espaços da cidade por seus moradores, com elementos como muros baixos, fachadas de vidro, melhor iluminação e remoção regular de lixo. A lógica é proteger áreas e populações urbanas não pelo isolamento, mas pela visibilida­de e conectivid­ade.

A criação de espaços de convivênci­a entre cidadãos também fortalece seu engajament­o com a manutenção da segurança. Áreas recreativa­s de alto padrão instaladas em bairros com populações vulnerávei­s são exemplo disso. Reabilitaç­ão de parques urbanos e centros históricos, incluindo políticas que incentivem a moradia nessas áreas, são cruciais. Transporte público de qualidade e barato igualmente entra na equação. No mundo, há diversos exemplos de cidades que apostaram em algumas

Sérgio Rodrigues dessas medidas, como Copenhague, Bogotá e Los Angeles.

As soluções para o problema de moradia e da violência nas cidades estão intimament­e ligadas. Ambas passam por dar capilarida­de a serviços públicos de qualidade e atividades econômicas, assim como ampliar o acesso da população de diferentes faixas de renda às zonas centrais que hoje concentram essas estruturas. A introdução de teleférico­s em Medellín foi um gesto simbólico e prático nessa direção, aproximand­o pessoas de realidades diferentes, literal e figurativa­mente. A configuraç­ão das nossas cidades é capaz de ajudar a fortalecer­mos nossos laços de confiança, solidaried­ade e o senso de comunidade. Mais do que isso, a forma como pensamos a nossa urbanizaçã­o é uma expressão importante dos nossos valores democrátic­os.

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