Filme mais tocante de Garrel investiga o amor louco
CINEMA
À Sombra de Duas Mulheres
L’Ombre des Femmes. França, 2015. Direção: Philippe Garrel. Elenco: Stanislas Merhar, Clotilde Courau. Classificação indicativa não informada. Estreia nesta quinta (10). Com grandes autores por vezes isso acontece. O penúltimo filme de Philippe Garrel, “À Sombra de Duas Mulheres” (2015), estreia só agora no país, depois de seu último longa (“O Amante de Um Dia”) ter estreado em março.
E se o lançamento demora muito, o cinéfilo mais ansioso já vai ter visto e revisto o filme de formas menos nobres. Vai ter opinião formada sobre ele e pode querer economizar o preço do ingresso, que, convenhamos, está longe de ser uma pechincha.
Que o espectador não se desmotive com o atraso. “À Sombra de Duas Mulheres” é o melhor longa do diretor desde “Os Amantes Constantes” (2005), o que não é pouco. É seu filme mais enxuto em anos, e o mais tocante.
Pierre (Stanislas Merhar) é um cineasta independente, pobre, mas autoral, que trabalha com a mulher, Manon (Clotilde Courau), num filme sobre a resistência francesa à ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial.
Ele conhece a estagiária da cinemateca, Elisabeth (Lena Paugam), e começa a ter um caso com ela. Esta, contudo, não se contenta em ser apenas uma amante e vai tratar de plantar algumas pulgas atrás das orelhas de Pierre.
Desnecessário dizer que esse triângulo amoroso é mostrado de forma nada convencional, com os encontros e as tensões surgindo naturalmente, como na vida, e filmados com seu habitual estilo econômico, porém preciso, certeiro.
Preto e branco, câmera solta, mas não trôpega, composições muito bem pensadas sem parecerem excessivamente calculadas, interpretações que alternam a discrição com uma espécie de desespero parcialmente contido.
Alguns dos melhores diretores modernos conseguem essa limpeza de expressão visual. Garrel é um deles.
O cineasta da geração de maio de 1968 tem a mão delicada para esse tipo de instituição francesa (o amor louco), assim como procura sempre novos meios de se perguntar o que é a fidelidade.
Alguns momentos do filme, e sobretudo o final, têm aquela espécie rara de poesia que só podíamos encontrar no cinema de Éric Rohmer (de “Minha Noite com Ela” e “O Joelho de Claire”) ou nos filmes mais prosaicos de François Truffaut (de “A Noite Americana” e “O Homem Que Amava as Mulheres”).
Trata-se de um naturalismo peculiar, comum a esses mestres, como também a outros três diretores que, como Garrel, chegaram tarde demais para fazerem parte da nouvelle vague: Maurice Pialat (mais velho, mas com o primeiro longa apenas em 1968, “A Infância Nua”), Jean Eustache (“A Mãe e a Puta”) e Jacques Doillon (“Ponette”).
Quem já viu, precisa rever. Desta vez no cinema. Valerá a pena.
Esplendor
Hikari. Japão/França, 2017. Direção: Naomi Kawase. Elenco: Masatoshi Nagase, Ayame Misaki, Tatsuya Fuji. 12 anos. Estreia nesta quinta (10). Qual o significado de ver? A pergunta tem tal tamanho que qualquer tentativa de abordá-la num filme pode parecer pretensiosa e limitada. A proposta de Naomi Kawase em “Esplendor” é tatear a questão evitando o sobrepeso teórico.
Por isso, o longa da diretora japonesa tem duas faces que se completam de modo insatisfatório. Enquanto proposição filosófica, “Esplendor” oferece momentos de imenso prazer intelectual, intensificado pela capacidade de Kawase usar a câmera para nos assombrar com o mundo.
Mas, ao tentar ajustar a reflexão a um molde ficcional, “Esplendor” revela sua limitação, apelando para um sentimentalismo que a diretora incorporou recentemente a seu trabalho, tornando-o mais fácil para o público em busca de sensibilidade.
As duas faces se revelam no atrito entre os personagens Misako e Nakamori. Ela é uma jovem dubladora que trabalha com áudio descrição, adaptando as imagens de filmes para atender às necessidades especiais de quem tem deficiência visual. Ele é um fotógrafo que perde gradualmente a vista por causa de uma doença degenerativa.
As primeiras falas de Misako descrevem acontecimentos quaisquer. Em seguida, a vemos apresentando para um grupo de deficientes a áudio descrição de um filme.
A dupla situação coloca questões que se aplicam a “Esplendor” como a todo o cinema: o que vemos num filme? Como traduzir por meio de palavras a experiência emocional das imagens?
A reação seca de Nakamori dispara o problema maior: é possível dar uma visão geral ou no máximo um ponto de vista? Como transmitir uma emoção sentida individualmente ao público, que reage cada um a seu modo?
Em vez de responder, Kawase convida-nos a considerar as proposições por meio de sua estética que aproxima o visual e o tátil. O olhar de Misako descobre que não se pode ver tudo, enquanto a visão de Nakamori se turva, perde a definição, necessita de aparelhos que ampliem objetos e textos.
O hiperclose torna-se assim o procedimento que mais dá sentido às indagações de “Esplendor”, capturando com acuidade a superfície das fa-