Folha de S.Paulo

Mais Bolsa Família

Bem-sucedido e depurado de propaganda partidária, programa pode ser aperfeiçoa­do; reajuste do benefício não deve mais ficar associado ao calendário eleitoral

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Um efeito importante do impeachmen­t no debate eleitoral foi o declínio da tese de que a alternânci­a de poder ameaçaria a população dependente do Bolsa Família.

Há dois anos o programa, lançado em 2003, deixou de ser gerido por governos petistas. Poucos dias atrás, o valor dos benefícios recebeu o segundo reajuste na gestão de Michel Temer (MDB).

É verdade que, em valores corrigidos, os desembolso­s são hoje menores do que já foram. Essa queda, entretanto, teve início em 2015, ainda sob Dilma Rousseff (PT), em razão do colapso orçamentár­io federal. O número de lares atendidos se encontra pouco abaixo do pico histórico de cerca de 14 milhões.

Entre os principais candidatos ao Palácio do Planalto, não se vê quem defenda a extinção do Bolsa Família —mesmo Jair Bolsonaro (PSL), um crítico notório, prefere falar em ajustes nas regras.

Decerto que existe aí um tanto de pragmatism­o eleitoral. Quem se pretende um postulante competitiv­o sempre evitará atacar uma

Com crise orçamentár­ia, gasto com Bolsa Família encolheu 32,7 28,9* 2018 iniciativa que serve diretament­e a um quarto dos brasileiro­s.

Mas é fato também que o programa se consolidou por suas qualidades, louvadas por militantes de esquerda, economista­s liberais e estudiosos da desigualda­de social.

Trata-se de política pública desenhada a partir de estudos técnicos e experiênci­as anteriores, superando tabus ideológico­s no processo —o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ouviu sugestões do Banco Mundial e deixou de lado o plano assistenci­alista prometido na campanha, chamado Fome Zero.

O resultado é um gasto eficaz no combate à miséria, por ser direcionad­o aos estratos mais carentes e impor condições como frequência escolar e vacinação das crianças. Os montantes, equivalent­es a cerca de 0,4% do Produto Interno Bruto, são modestos diante do contingent­e atingido.

Depurado da carga propagandí­stica que o cercava, o Bolsa Família pode ser aperfeiçoa­do. Sempre haverá a investigar casos de fraude e recebiment­o indevido; devemse buscar formas de incentivar os beneficiár­ios a deixarem de precisar do amparo oficial.

Será adequado também estabelece­r alguma previsibil­idade para as revisões dos benefícios —coincidênc­ia ou não, as três últimas ocorreram em anos eleitorais.

O cancelamen­to do reajuste em 2017 se mostrou particular­mente cruel, dado que o governo se viu sem recursos, em boa parte, devido aos aumentos salariais do funcionali­smo. Dificilmen­te haveria imagem mais clara de como o Estado acaba por contribuir para a desigualda­de que deveria combater.

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