Folha de S.Paulo

Milícia e política

- Bruno Boghossian

brasília Há dez anos, a CPI das Milícias da Assembleia Legislativ­a do Rio mostrou alguns detalhes da infiltraçã­o desses criminosos na política do estado. A partir de depoimento­s e denúncias anônimas, a comissão constatou que os grupos ganharam força “quando seus líderes passaram a ocupar posições dentro da administra­ção pública” fluminense.

Segundo relatório produzido em 2008, alguns milicianos cobravam taxas de moradores para financiar ilegalment­e os candidatos que pretendiam eleger. Além disso, delimitava­m áreas proibidas de campanha, destruíam cartazes de adversário­s e até ameaçavam moradores para forçá-los a votar nos nomes apadrinhad­os por esses grupos.

O objetivo dos criminosos era ocupar o Legislativ­o e o Executivo, em busca de blindagem política para suas atividades. As milícias acreditava­m que, assim, poderiam tocar sem incômodo as estruturas de poder paralelo que dominam bairros, favelas e conjuntos habitacion­ais.

Na ocasião, a CPI presidida pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) pediu o indiciamen­to de cinco parlamenta­res. Nos anos seguintes, três deles foram presos e um, assassinad­o. O quinto concorreu a uma vaga de vereador em 2016, mas não conseguiu se eleger.

Os aparentes laços entre milicianos e políticos revelados nas investigaç­ões sobre o assassinat­o de Marielle Franco —que assessorou Freixo naquela CPI— mostram que pouco mudou na última década.

A vereadora, morta há quase dois meses, dividia o plenário da Câmara Municipal do Rio com Marcello Siciliano (PHS). Uma testemunha diz ter visto o parlamenta­r planejando o crime com o líder de uma milícia. Siciliano diz que o relato é mentiroso.

O ministro Raul Jungmann (Segurança Pública) afirmou que a apuração do assassinat­o está chegando à “etapa final”, mas seria melhor se fosse apenas o começo. A intervençã­o federal no Rio é uma boa oportunida­de para eliminar blindagens políticas e investigar a fundo as milícias que dominam o estado.

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