Geisel endossou execuções de opositores da ditadura, diz documento da CIA
Informação, que cita reunião com João Figueiredo, que viria a sucedêlo, integra memorando secreto de 1974 liberado pelo governo dos EUA TRECHOS
brasília Em documento secreto de 1974 liberado pelo Departamento de Estado dos EUA, o chefe da CIA, agência de inteligência norte-americana, afirma que Ernesto Geisel, presidente do Brasil de 1974 a 1979, aprovou a continuidade de uma política de “execuções sumárias” de adversários da ditadura militar.
Geisel, que morreu em 1996, teria ainda orientado o então chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações) que viria a substituí-lo na Presidência, João Baptista Figueiredo (1979-1985), morto em 1999, a autorizar pessoalmente os assassinatos.
O documento foi tornado público, com exceção de dois parágrafos ainda tarjados, em 2015 pelo governo dos EUA.
Nesta quinta-feira (10), foi postado em redes sociais por Matias Spektor, colunista da Folha e professor de relações internacionais na FGV (Fundação Getulio Vargas).
O professor qualificou o papel como “o documento secreto mais perturbador” que já leu em 20 anos de pesquisa.
“Não se sabia que Geisel havia chamado para o Palácio do Planalto a responsabilidade sobre a decisão das execuções sumárias. A cúpula do governo não só sabia como chamou para si a responsabilidade. Isso é que tão impressionante, chocante”, disse Spektor.
Em outro ponto revelador, o documento diz que cerca de 104 pessoas já haviam sido executadas sumariamente “pelo CIE”, o poderoso Centro de Informações do Exército então comandado pelo general Milton Tavares.
O papel é um memorando assinado pela mais alta autoridade da principal agência de inteligência dos EUA na época, o diretor da CIA, William Colby (1920-1996).
Ele relata uma reunião que teria ocorrido em 30 de março de 1974, no início do governo Geisel, entre o presidente, Tavares, Figueiredo e o general que iria assumir a chefia no CIE, Confúcio Danton de Paula Avelino.
Segundo o memorando, Tavares ressaltou o “trabalho do CIE contra alvos da subversão interna durante a administração do presidente Emílio Médici [1969-1974]”.
“Ele enfatizou que o Brasil não pode ignorar a ameaça terrorista e subversiva, e disse que métodos extralegais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos. Sobre isso, o general Milton disse que cerca de 104 pessoas nessa categoria foram sumariamente executadas pelo CIE até agora. Figueiredo apoiou essa política e instou a sua continuidade.”
Na ocasião da reunião, segundo Colby, Geisel comentou a seriedade e os aspectos prejudiciais dessa política e disse que gostaria de refletir sobre o assunto no final de semana antes de chegar a qualquer decisão. Dias depois, em 1º de abril, segundo o diretor da CIA, Geisel comunicou sua decisão a Figueiredo.
“Em 1º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que grandes precauções deveriam ser tomadas para assegurar que apenas subversivos perigosos sejam executados. O presidente e o general Figueiredo concordaram que quando o CIE apreende uma pessoa que pode estar nessa categoria, o chefe do CIE vai consultar o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes de a pessoa ser executada”, diz o memorando de William Colby, que não deixa claro qual a fonte das informações.
O despacho é a primeira indicação documental conhecida sobre o papel de decisão da alta cúpula da ditadura nas execuções sumárias de adversários, segundo o professor Spektor.
Até aqui era conhecida uma conversa, revelada pelo jornalista Elio Gaspari em 2003 em seu livro “A ditadura derrotada”, entre Geisel e o general Dale Coutinho em fevereiro de 1974, um mês antes da posse na Presidência.
Falando sobre o combate aos inimigos da ditadura, Geisel afirmou: “Porque antigamente você prendia o sujeito e o sujeito ia lá para fora. [...] Ó Coutinho, esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser”.
Em nota, o Comando do Exército informou que os documentos sigilosos relativos ao período em questão e que “eventualmente pudessem comprovar a veracidade dos fatos narrados foram destruídos, de acordo com as normas existentes à época --Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS)-em suas diferentes edições”.
Procurado pela Folha por meio de sua assessoria, o presidente Michel Temer não quis comentar.
O general Milton [Tavares, comandante do Centro de Informações do Exército] [...] enfatizou que o Brasil não pode ignorar a ameaça terrorista e subversiva e disse que métodos extralegais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos. Sobre isso, o general Milton disse que cerca de 104 pessoas nessa categoria foram sumariamente executadas pelo CIE até agora. Figueiredo apoiou essa política e instou a sua continuidade.
Em 1º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que grandes precauções deveriam ser tomadas para assegurar que apenas subversivos perigosos sejam executados. O presidente e o general Figueiredo concordaram que quando o CIE apreende uma pessoa que pode estar nessa categoria, o chefe do CIE vai consultar o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes de a pessoa ser executada
O presidente e o general Figueiredo também concordaram que o CIE deve dedicar quase todo o seu esforço contra subversão interna, e que o esforço geral do CIE deve ser coordenado pelo general Figueiredo