Revolta estudantil ganha força em Paris e violência se espalha
Contestando de universidade a capitalismo, jovens erguem barricadas contra polícia
11 de maio de 1968 A violência entre polícia e manifestantes em Paris atingiu novo ápice entre a noite de sexta-feira (10) e a madrugada deste sábado (11), aprofundando a pressão sobre o governo do presidente Charles de Gaulle
Em uma noite em que “viram-se coisas nunca vistas”, na definição do chefe de polícia, Maurice Grimaud , estudantes tocaram fogo em carros e ergueram barricadas contra as autoridades a partir de paralelepípedos arrancados das vias do Quartier Latin, bairro universitário da capital francesa. Agressões partiram dos dois lados.
O saldo oficial da “noite das barricadas” foi de 367 feridos, dos quais 251 policiais e 116 manifestantes. Ao menos 60 veículos foram incendiados e 128 foram danificados. Mais de 400 pessoas foram detidas.
O confronto começou durante protesto a princípio pacífico, com público estimado entre 20 mil e 50 mil pessoas, que partiu da praça DenfertRochereau, ao sul de Paris, em direção ao Quartier Latin.
O ato se soma à série de manifestações e confrontos que têm ocorrido na cidade —e se espalhado pela França— para exigir a reabertura da Sorbonne, coração do ensino superior francês, fechada devido à onda de distúrbios.
Desde o início deste mês, a temperatura dos protestos tem se elevado, com o envolvimento de outros grupos (secundaristas e sindicatos) e a multiplicação de pautas.
Reivindicações específicas do meio universitário, como participação em decisões e
1.
até o fim do veto ao acesso dos alunos aos dormitórios das alunas, passaram a dividir espaço com contestações amplas da sociedade de consumo, da política externa dos EUA, da moral burguesa e da ordem capitalista.
Ao avançar na noite de sexta-feira em direção à Sorbonne, os estudantes foram barrados por bloqueios policiais que impediam o acesso à margem direita do rio Sena, onde ficam a Champs-Élysées e outras regiões ricas de Paris.
Os estudantes responderam firmando posição no bairro universitário, alguns sentados na rua e outros montando as barricadas e lançando pedras contra a polícia, que respondeu com bombas de gás lacrimogêneo.
Tentativas de diálogo entre as duas partes não progrediram. Às 2h15, Grimaud ordenou o ataque às barreiras estudantis.
“Esses desordeiros aprenderam não sei onde as táticas dos guerrilheiros. Estamos enfrentando o que certamente é uma operação subversiva”, afirmou o chefe de polícia.
Estudantes reagiram aos cassetetes. A rua Gay-Lussac, próxima de endereços icônicos de Paris, como o Panteão e o Jardim de Luxemburgo, foi um dos principais locais de confronto.
A Faculdade de Ciências foi transformada em hospital, e emissoras de rádio faziam apelos para que táxis ajudassem na remoção dos feridos.
No alvorecer, com o bairro tomado de fumaça e ruas esburacadas, a polícia ainda caçava manifestantes. Estudantes reagiam aos gritos de “De Gaulle assassino” e “Abaixo De Gaulle”.
Os protestos dos jovens franceses têm como pano de fundo a explosão da população estudantil no país nos últimos dez anos, de 175 mil para mais de 500 mil. Escolas e universidades têm sido abastecidas pela numerosa geração nascida nos tempos de emprego e bonança econômica dos últimos 20 anos.
São jovens com uma cultura própria, que quase nada têm em comum com a geração anterior, forjada na escassez da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e que dá à França a sua atual aparência tradicionalista e hierarquizada.
De Gaulle, 77, relíquia da guerra e há quase dez anos no poder sem interrupções, torna-se assim símbolo do que contestar.
Não merece apreço muito maior para esses jovens o Partido Comunista Francês, cujos classismo e ortodoxia marxista pouco combinam com uma geração interessada em mudanças imediatas e em novas questões, como liberdade sexual, questões de gênero e ecologia
Em que pese o contexto maior, foi um fato específico que deflagrou os distúrbios: a prisão de estudantes que atacaram no mês passado unidade da American Express, em Paris, em protesto contra a Guerra do Vietnã.
Em solidariedade aos detidos, estudantes ocuparam a Universidade de Nanterre, na região metropolitana da capital, sob a liderança do jovem franco-alemão Daniel CohnBendit, 23 , hoje o principal nome do movimento estudantil e conhecido como Dany Le Rouge —referência a seus ca-
3.
belos e ideário vermelhos.
As autoridades reagiram fechando Nanterre, o que se revelou um erro tático, pois levou o movimento estudantil da periferia para o centro da capital francesa.
A decisão da reitoria da Sorbonne de fechar as portas e chamar a polícia para dentro da universidade foi outro combustível para os confrontos. Os estudantes têm ganhado a simpatia de artistas, intelectuais e de parte da opinião pública francesa
O nível inédito de violência deste sábado levou a um aceno do governo aos estudantes.
Após reunião de De Gaulle com auxiliares durante a madrugada, o governo divulgou comunicado em que cita que “alguns” dos jovens estavam dispostos a “impor, mediante a violência, suas convicções revolucionárias”.
5.
Em seguida, porém, contemporiza, afirmando que a maioria dos estudantes “expressa, embora de forma condenável, uma inquietação diante do futuro profissional e uma vontade de adaptação à universidade”. “O governo sabe que ainda há muito por fazer e está disposto a receber todas as opiniões úteis, inclusive as que os estudantes possam formular dentro de um espírito construtivo.”
Em um gesto prático, o governo De Gaulle ordenou a reabertura da Sorbonne e a libertação de presos.
A intenção do presidente é evitar uma greve geral convocada para segunda-feira (13) por centrais sindicais, tanto de tendência comunista quanto católica, em apoio aos estudantes. A federação dos professores prometeu aderir
Mais que o levante estudan-
6.