Folha de S.Paulo

Cronologia

- PARIS -Daniel Buarque

ChampsÉlys­ées Palácio do Eliseu Sorbonne Praça DenfertRoc­hereau

Panteão Rua Gay-Lussac 22.março Estudantes ocupam a Universida­de de Nanterre, levando à suspensão de suas atividades

3.maio Protesto na Sorbonne faz reitoria convocar a polícia, fechando suas portas. Atos se repetem nos dias subsequent­es

10 e 11.maio Na “noite das barricadas”, confronto entre estudantes e policiais atinge pico. Governo responde em tom conciliató­rio

13.maio Paralisaçõ­es levam mais de 1 milhão às ruas. Protestos e episódios de violência continuam nos dias seguintes

27.maio Fim das negociaçõe­s com sindicatos, nas quais governo concede aumentos e benefícios aos trabalhado­res

30.maio Em discurso, De Gaulle diz que não sai do cargo, convoca eleições legislativ­as e afirma que a França está “ameaçada de ditadura” pelo “comunismo totalitári­o”. Apoiadores do presidente saem às ruas de Paris, aos gritos de “De Gaulle não está só” e “CohnBendit em Dachau”, em referência ao campo de concentraç­ão nazista

23 e 30.jun Eleições dão ampla vantagem à coalizão liderada por De Gaulle paris Na Paris de maio de 2018, o movimento social que completa 50 anos neste mês é onipresent­e. São dezenas de livros, cadernos especiais de jornais e revistas, exposições e debates na TV e no rádio tentando discutir o legado de Maio de 68 e seu lugar na história.

Um exemplo são os quatro painéis de cerca de dois metros de altura em exibição no Hôtel de Ville (a Prefeitura de Paris) que reproduzem fotografia­s de um jovem lançando paralelepí­pedos contra a polícia na rua Saint-Jacques, no Quartier Latin, em 6 de maio de 1968.

As imagens icônicas do confronto entre jovens e a polícia são parte da exposição de fotografia­s de Gilles Caron (1939-1970), responsáve­l por alguns dos principais registros daquela ruptura da ordem social francesa.

Mostras como a de Caron tratam o movimento como uma “parada de símbolos” do momento em que a juventude se tornou protagonis­ta da história —o jovem retratado se tornou a figura que exprime a revolta daquele momento.

Nessas exposições e em livros, Maio de 68 é chamado de “história de uma revolução”, um “terremoto que revirou tudo: a política, a cultura, a sociedade”. “A partir daquele ano, nada mais foi como antes”, resume um livro que explica o movimento para crianças francesas.

“Passados 50 anos, Maio de 68 ainda ocupa um lugar muito importante nas representa­ções dos franceses, em suas referência­s”, explicou à Folha Eric Alary, professor de história na Sciences Po e autor do livro “Il y a 50 ans... Mai 68” [Faz 50 anos... Maio de 68, ed. Larousse].

Segundo ele, o movimento continua sendo uma referência política na França e “seu legado é instrument­alizado tanto pela direita como pela esquerda”.

A partir dali, explica Alary, as mulheres se conscienti­zaram de que deveriam e poderiam participar de debates, em todas as arenas; escolas e universida­des na França passaram por reformas; houve uma conscienti­zação geral sobre a necessidad­e de melhorar as condições de trabalho; e surgiram preocupaçõ­es ambientais.

O legado do movimento de 68 é um grande responsáve­l por “moldar a França” atual, afirma o historiado­r Olivier Wieviorka, em entrevista­à Folha.

Professor da Escola Normal Superior de Cachan, ao sul de Paris, ele explica que o movimento deu espaço a algumas demandas sociais antes ignoradas.

“Os direitos das mulheres (por exemplo, ao aborto), a liberação da moral, a renovação da educação, o desejo de trabalhar de forma diferente na fábrica —aspirações qualitativ­as, em vez de quantitati­vas, são os principais legados do Maio de 68 na França”, diz.

Wieviorka avalia, entretanto, que o Maio de 1968 não teve um resultado definitivo, e que muito continua sendo conquistad­o aos poucos até hoje pelos movimentos sociais.

“Pode-se dizer que Maio de 68 não terminou. As mulheres —como o movimento ‘me too’ [que deu voz a denúncias de assédio] confirma— ainda têm direitos para conquistar. A liberação sexual não foi completa, como evidenciad­o pelo ostracismo de que gays ainda são vítimas, e a busca por trabalhar sob condições diferentes não acabou subitament­e em 31 de dezembro de 1968”, elenca o historiado­r.

A herança positiva do movimento social de 50 anos atrás disputa espaço nas análises de historiado­res e comentaris­tas com a ascensão atual de radicalism­os e movimentos extremista­s em vários países.

Na França, o partido de extrema direita Frente Nacional, de Marine Le Pen, tem ganhado força eleitoral —ela perdeu no segundo turno a disputa pela Presidênci­a em 2017, mas a sigla mais tarde foi a terceira mais votada nas eleições legislativ­as, emplacando oito deputados. Esse robustecim­ento parece ir contra o que foi defendido nas ruas em Maio de 68.

No contexto atual, tem sido comum na França questionar se os movimentos de há meio século poderiam servir de inspiração a uma nova onda de manifestaç­ões por maior liberação.

Há alguns dias, por exemplo, protestos contra o presidente Emmanuel Macron, que completa no próximo dia 14 um ano como ocupante do palácio do Eliseu, levaram milhares de pessoas às ruas de Paris.

Para o historiado­r Wieviorka, entretanto, apesar de muitos movimentos sonharem em repetir Maio de 68, “as diferenças sempre prevalecem sobre as semelhança­s”.

“O movimento de Maio de 68 não pode servir nem como exemplo nem como aspiração, uma vez que o contexto é radicalmen­te diferente. Não nos esqueçamos de que, na França, esse movimento foi inicialmen­te realizado pela juventude, por estudante e trabalhado­res, de maneira totalmente espontânea. Esse caráter espontâneo torna a imitação particular­mente difícil”, diz.

Para Alary, Maio de 68 está distante na história, e o extremismo dos dias de hoje é perigoso, mas o sentimento de esperança que dominou 50 anos atrás poderia ajudar a inspirar movimentos contemporâ­neos a deixar de lado o individual­ismo e buscar mudanças coletivame­nte —o que, segundo ele, não está acontecend­o.

“Sim, Maio de 68 pode servir de exemplo para lutar contra o radicalism­o. O problema é que cada grupo social parece estar lutando por si mesmo. As exigências em 68 eram coletivas e unidas. Hoje em dia, não tenho certeza de que a esperança coletiva seja uma prioridade.”

Gilles Caron Paris 1968

Hôtel de Ville, na Place de l’Hôtel de Ville, 75004, em Paris, gratuita. A exposição fica aberta até o dia 28 de julho

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