Folha de S.Paulo

PPPs são bombas-relógio sobre o caixa público

Entre 53 estados e municípios que firmaram Parcerias Público-Privadas, 42 não têm projeção desse gasto sobre o orçamento futuro

- -Taís Hirata

são paulo No Brasil, 53 estados e prefeitura­s têm PPPs (Parcerias Público-Privadas) em vigor, mas 80% deles não acompanham de forma adequada o impacto fiscal de longo prazo de seus contratos —que implicarão pagamentos mensais por períodos que vão de 8 a 35 anos.

O levantamen­to, que considera PPPs assinadas até o fim de 2017, foi feito pela Folha com base em dados da consultori­a Radar PPP e relatórios de execução orçamentár­ia dos entes públicos, enviados pelo Tesouro Nacional via Lei de Acesso à Informação.

Dos 53 governos que têm contratos vigentes, 42 não fazem registro dos pagamentos em seus balanços ou estão descumprin­do regras fiscais. Apenas cinco deles preenchem os requisitos definidos pelo Tesouro. Os demais cumprem parcialmen­te.

A falta de registro do impacto fiscal desses contratos de longo prazo é preocupant­e, segundo especialis­tas, porque facilita que governante­s firmem PPPs sem uma avaliação adequada, jogando a conta para os prefeitos e governador­es futuros.

“A PPP é um mecanismo de financiame­nto. O governo obtém a infraestru­tura imediatame­nte e paga ao longo do tempo. Se o governo optar por fazer a PPP sem considerar se é a opção mais eficiente, ele pode varrer para debaixo do tapete o custo da obra. Mas o custo virá”, afirma o especialis­ta em PPPs do BID (Banco Interameri­cano de Desenvolvi­mento), Marcos Siqueira.

Em março do ano passado, a instituiçã­o já havia constatado, em um estudo, essa falta de acompanham­ento —situação que já levou países como Portugal e Grécia a terem graves problemas de comprometi­mento fiscal devido à assinatura irresponsá­vel de PPPs.

“O problema se aprofunda a cada minuto, na medida em que novos contratos são firmados no país sem que haja esse acompanham­ento”, diz.

Em 2017, a procura de prefeitura­s por parcerias foi recorde. Segundo a Radar PPP, foram lançados 140 PMIs, processo em que governos chamam empresas a fazer estudos de viabilidad­e de projetos que podem virar PPPs.

Questionad­o sobre o tema, o próprio Tesouro Nacional reconhece que o controle é falho, porque o recebiment­o das informaçõe­s depende do envio pelos governos. O órgão diz também que há casos claros de “baixa qualidade das informaçõe­s” enviadas.

As primeiras regras de acompanham­ento fiscal das PPPs foram criadas em 2006, em um momento em que governos começaram a estruturar projetos nos quais o ente público assumia muitos riscos no contrato, diz Enrico Bentivegna, sócio do Pinheiro Neto. Impacto fiscal de PPPs não é adequadame­nte mensurado por governos subnaciona­is

Regras para medir impacto fiscal das PPPs

- Pagamentos - Ativos e - Registro dos anuais com PPPs passivos passivos contingent­es não podem referentes à (pagamentos que superar 5% da PPP precisam podem se materializ­ar receita corrente ser registrado­s caso riscos líquida de municípios em balanço previstos no contrato e estados se concretize­m)

Prefeitura­s e estados não fazem o registro de dados fiscais de longo prazo nos balanços Gastos acima dos limites permitidos Correto Contratos não registrado­s Contratos registrado­s parcialmen­te Contratos registrado­s A situação preocupa porque, ano a ano, são lançados novos projetos de PPPs sem que haja um acompanham­ento fiscal adequado 92 Registro parcial 154

Sem registro

279 183

336 54

“A grande diferença das PPPs para as concessões regulares é que o governo assume parte dos riscos, mas é preciso ter um equilíbrio. As regras serviram como um freio.”

A regulament­ação foi aprimorada pelo Tesouro ao longo dos anos. Hoje, há alguns limites, como o teto de 5% para o quanto da receita das cidades e estados pode ser comprometi­da com pagamentos a parceiros privados.

Além disso, é preciso registrar nos balanços os chamados passivos contingent­es, que são os gastos que a prefeitura possivelme­nte poderá ter caso os riscos da PPP se materializ­em.

Outra diretriz —e uma das menos seguidas pelos governos até agora— é a de que todos ativos e passivos do contrato (ou seja, o valor de tudo que já foi construído no âmbito da PPP e tudo o que ainda falta pagar) sejam computados no balanço.

Falta fiscalizaç­ão de tribunais de contas e União, dizem analistas

Para especialis­tas em contas públicas, caberia aos tribunais de contas e ao governo federal ampliar a fiscalizaç­ão aos estados e municípios.

“Os tribunais não cobram porque falta expertise. É um arcabouço normativo recente, e os órgãos ainda não se qualificar­am para esse acompanham­ento. Hoje eles fazem um controle dos projetos, mas não a auditoria financeira”, afirma Robson Zuccolotto, professor da Universida­de Federal do Espírito Santo.

Para o economista fiscal sênior do BID Gerardo Reyes-Tagle, as regras para acompanham­ento do impacto são boas. O problema está no registro dos dados. Ele tem a avaliação de que a União também precisaria criar mecanismos de acompanham­ento porque caberá a ela prestar socorro às cidades e estados caso algum problema ocorra.

“O governo federal é também responsáve­l, em última instância, pelos recursos dos entes subnaciona­is”, diz.

Há, no entanto, um problema de autonomia federativa, afirma Zuccolotto. “O conselho federal não pode fiscalizar ou punir.”

O Tesouro afirma que está desenvolve­ndo mecanismos para aprimorar o acompanham­ento do impacto fiscal das PPPs no país.

Um deles é a criação de uma estrutura que reunirá os relatórios das cidades e estados de forma padronizad­a, o que facilitará a comparação dos dados. Além disso, estão sendo criados instrument­os para “avaliar, criticar e comparar a qualidade de informaçõe­s prestadas atualmente pelos entes”, afirmou, em nota.

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