Folha de S.Paulo

Quem não reformar não governa

Reformar o Orçamento público é inevitável, e isso precisa ser debatido nas eleições

- Nelson Barbosa DSTQQ Rodrigo Zeidan

Doutor em economia pela New School for Social Research, em Nova York, e ex-ministro da Fazenda e do Planejamen­to (governo Dilma).

Nos últimos meses, algumas lideranças de esquerda se posicionar­am contra a reforma da Previdênci­a e outras medidas de controle do gasto público com o bordão “quem votar não volta”. Faltou dizer que quem não reformar não governa.

A recuperaçã­o da estabilida­de fiscal demandará mudanças de regras fiscais, no gasto público e na tributação pelo próximo governo, e isso deve ser transmitid­o com clareza aos eleitores.

Considere nossas regras fiscais. Hoje temos metas de mais

SS para instrument­os de menos. Há meta de resultado primário, teto de gasto e limitação de endividame­nto público pela regra de ouro. Em contrapart­ida, a maior parte da despesa pública não está sob o controle direto do governo. Esse arranjo não tem como dar certo e leva à criminaliz­ação crescente da política fiscal.

A solução é uma reforma fiscal focada somente em metas de gasto, que podem ser crescentes, constantes ou cadentes em proporção do PIB, de acordo com a escolha política dos eleitores, de quatro em quatro anos.

Do lado do gasto, o desafio é controlar despesas obrigatóri­as, e isso não envolve somente a Previdênci­a. Também é preciso reavaliar o outro grande gasto federal —a remuneraçã­o de servidores—, bem como diminuir o engessamen­to de algumas despesas por regras e vinculaçõe­s que não deveriam ser matéria constituci­onal.

Uma saída do atual impasse político entre esquerda e direita seria combinar as duas iniciativa­s em uma só medida: uma PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) que reveja o teto de gasto e aperfeiçoe a regra de ouro, de um lado, e que reforme a Previdênci­a e outros gastos obrigatóri­os, do outro.

A ideia dessa “PEC do compromiss­o” é combinar flexibilid­ade com responsabi­lidade fiscal. Evitar a rigidez crescente do Orçamento público por excesso de metas e, ao mesmo tempo, reduzir o cresciment­o do gasto obrigatóri­o da União.

O terceiro campo de reforma é tributário, pois parte da elevação do resultado primário do governo virá da ampliação de receitas. Isso já está acontecend­o atualmente com revisão da Cide (Contribuiç­ão de Intervençã­o no Domínio Econômico), do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria­s e Serviços), do IPTU (Imposto Predial e Territoria­l Urbano) e de outros tributos, mas sem alarde pelas autoridade­s.

Nesse caso, o problema político é combinar simplifica­ção de tributos indiretos com maior progressiv­idade de tributos diretos, pois nossa carga tributária é complexa e os ricos pagam relativame­nte menos impostos no Brasil do que em países avançados.

Precisamos de tributos mais simples e mais justos, sem perda de arrecadaçã­o no curto prazo. E, no longo prazo, o tamanho da carga tributária deve ser compatível com os serviços que a sociedade demanda do Estado, o que, por sua

Samuel Pessôa | Marcia Dessen | Nizan Guanaes; Benjamin Steinbruch | Alexandre Schwartsma­n | Laura Carvalho | Nelson Barbosa; Pedro Luiz Passos |

vez, deve ser decidido em, adivinhe, eleições.

A reforma tributária também se tornou tema inevitável para o próximo governo devido ao acirrament­o da “guerra fiscal mundial” pelos EUA. O corte de Imposto de Renda sobre empresas aprovado por Donald Trump já está levando vários países a reavaliar a composição de seus tributos diretos.

Idealmente, a solução progressis­ta é desonerar empresas e onerar pessoas físicas de alta renda, com impacto neutro ou positivo sobre a arrecadaçã­o direta. Já existem propostas nesse sentido por vários economista­s e esse será outro tema a ser enfrentado pelo próximo governo.

Reformar o Orçamento público é inevitável, e isso precisa ser debatido durante as eleições, se não pelos partidos políticos, pelo menos pelos economista­s.

Marcos Sawaya Jank;

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